Lee Israel (Melissa McCarthy) não é apenas uma escritora em crise, é uma mulher a poucos metros do fundo do poço. Solitária, sem nenhum tipo de amizade, parece desprezar a humanidade de modo uniforme. Demitida do emprego por insultar colegas de trabalho e até o chefe, se vê com contas a pagar, uma gata doente e a perspectiva de se tornar mais uma mendiga nas ruas de Nova York por conta do aluguel atrasado. Sua agente, Marjorie (Jane Curtin), já desistiu da teimosa e indisciplinada cliente. É quando surge a ideia de falsificar cartas literárias de autores famosos e vender para livrarias. Com a ajuda de um antigo conhecido, Jack Hock (Richard E. Grant), Lee começa a movimentar uma boa quantidade de dólares com o esquema, mas desperta suspeitas no mercado de colecionadores.
Temos aqui um conto, baseado em livro homônimo, sobre como a escritora Lee Israel conseguiu superar um período negro em sua vida, retomando a profissão e conseguindo ser novamente relevante no mundo literário. Tendo algumas biografias de escritores famosos em seu currículo, como Katharine Hepburn, Tallulah Bankhead e Estee Lauder, sua habilidade de “sumir” dentro do texto, ocultando qualquer estilo próprio em prol do biografado, foi tanto razão de seu breve sucesso quanto causa de seu esquecimento posterior. Porém, tal habilidade de se camuflar serviu muito bem para emular outros escritores badalados, falsificando assim as tão cobiçadas cartas que eles trocavam com colegas, editores, amigos e familiares.
O filme é amargo e um tanto quanto cínico. É assim pois assim é sua protagonista, uma mulher de meia idade, solitária e decadente, que não se importa com boas maneiras, aparência nem muito menos higiene pessoal. Seu único prazer é o isolamento, seja no balcão de bares ou em seu apartamento, acompanhada de seu felino de estimação e uma dose de whisky. A coisa muda um pouco ao retomar contato com outro decadente, Jack, uma espécie de maltrapilho vagabundo. Dois perdidos se escorando um no outro, formando uma amizade tão verdadeira quanto poderia ser nas circunstâncias apresentadas.
Não é exatamente uma história de redenção. É amarga, toca temas como solidão, abandono e marginalização, além de remeter a um período negro da infecção do HIV, quando os portadores do vírus morriam, mas conduz a uma espécie de reinvenção, de segunda chance mesmo que todos os pecados anteriores não tenham sido pagos, perdoados ou crivados de arrependimento, como a quebra de confiança da escritora com a talvez única pessoa que verdadeiramente a apreciava como talento e como pessoa, Anna (Dolly Wells), a dona de uma das livrarias que ela engana com as cartas falsas. O filme ainda deve exercer um efeito nostálgico para os amantes de livros, pois remonta a uma época que cultivava um circuito vivo de livrarias de bairro, 1991, ainda sem a invasão de cybercafés e das livrarias pontocom.
Mesmo com uma protagonista tão falha e rabugenta, ou exatamente por isso, o espectador não consegue ter sua atenção dispersada da tela. Poderia Me Perdoar? possui a sensibilidade de um cinema verdade, pouco romantizado, com uma protagonista que dormia com fezes de gato acumuladas embaixo da cama. Apenas o segundo longa da diretora Marielle Heller, foi um sucesso de crítica, recebendo inclusive indicações ao Oscar e Globo de Ouro pela atuação marcante do elenco principal, McCarth e Grant.
Poderia Me Perdoar? (Can You Ever Forgive Me?, 2018)
Diretora: Marielle Heller
Gênero: Drama
Elenco: Melissa McCarthy; Richard E. Grant; Dolly Wells
Duração: 1h46min