Os Bárbaros – os cineastas que faziam filmes sujos e perversos

A edição da revista americana Saturday Review, de Outubro de 1980, trouxe em sua capa quatro das personalidades mais polêmicas de Hollywood na época, os diretores Walter Hill, Brian De Palma, Paul Schrader e Martin Scorsese. O artigo, escrito por Robert F. Moss, discorria sobre o direcionamento brutal que as produções hollywoodianas haviam tomado desde a década passada, quando uma nova geração de diretores conseguiram tomar para si o controle de seus filmes, diminuindo a influência dos grandes estúdios, resultando, na opinião de muitos, no período mais criativo do cinema americano. Esse movimento ficou conhecido como “Nova Hollywood” e trouxe obras como O Poderoso Chefão, O Exorcista, Taxi Driver, Chinatown, Sem Destino, Apocalipse Now, entre outras.

Moss acusa os quatro diretores de apelarem para a violência gráfica em tramas que exploram os piores aspectos da humanidade apenas como meio de atrair espectadores. Quase como um fanático religioso, acrescenta que as obras poderiam despertar instintos violentos na plateia, influenciando no comportamento das pessoas e tornando a demanda por violência nas telas cada vez maior.

Independente de suas inclinações puritanas e conclusões alarmistas, o texto serve como um ótimo documentário acerca do estilo de direção e produção do quarteto. Walter Hill até então havia se destacado por Warriors – Os Selvagens da Noite (The Warriors, 1979), seu terceiro longa. Brian De Palma era o mais experiente, tendo várias produções no currículo, mas apenas a partir de Irmãs Diabólicas (Sisters, 1973) abraçou a violência e começou a delinear o estilo que o consagraria como o sucessor de Alfred Hitchcock. Paul Schrader foi responsável pelos roteiros de Taxi Driver (1976), Trágica Obsessão (Obsession, 1976) e Touro Indomável (Raging Bull, 1980), além de assumir a posição de diretor em Hardcore – No Submundo do Sexo (Hardcore, 1979) e Gigolô Americano (American Gigolo, 1980). Scorsese havia chamado a atenção com Caminhos Perigosos (Mean Streets, 1973) e experimentara o sucesso com o controvertido Taxi Driver.

Abaixo, o texto na íntegra da matéria da Saturday Review:

Ao filosofar acerca de Nova York no filme de 1940, Dois Contra Uma Cidade Inteira (City for Conquest), Arthur Kennedy pesquisa sobre o cenário urbano diante de si e concebe a cidade “orgulhosa, de beleza apaixonante, mas de uma feiura sórdida…sempre faminta”, mas provavelmente estava admirando apenas um estúdio da Warner Brothers da época.

Ele não poderia imaginar o quão pouco orgulho e beleza restaria e o quanto de sordidez e fome emergiria quando, na década de 70, uma nova espécie de cinegrafista começaria a reexaminar a vida na cidade grande, com um olhar selvagem e um arsenal avançado de técnicas cinematográficas.

Na última década, diretores como Walter Hill, Paul Schrader e Martin Scorsese têm definido o cenário urbano como pouco mais do que a soma total de suas mais extremas formas de decadência. Brian De Palma, talvez o mais popular dentre os novos diretores adeptos da brutalidade, para os quais a depravação é uma espécie de celebração como, por exemplo, a Chicago no filme A Fúria (The fury, 1978) e Nova York em Vestida Para Matar (Dressed to Kill, 1980).

Para estes diretores, a cidade é um poço de vício e ganância, habitada por predadores formados por refugos humanos: estupradores, assassinos, ladrões, toxicômanos e esquisitões. A violência tem se tornado um reflexo, parte inerente ao ritmo urbano. Os relacionamentos humanos têm piorado, sendo sufocados por sentimentos de ódio, luxúria e horror.

Obviamente, a extensão desta visão reflete um crescente descontentamento público com a decadência da metrópole. Mas não apenas isso. As técnicas de dramatização dos diretores sugerem também que fazem parte de suas obsessões particulares. “Nós não somos um movimento”, declara Schrader. Mas as características destes diretores, suas histórias particulares, suas técnicas narrativas e preferências cinematográficas se conectam em tantos pontos que se torna difícil não vê-los como uma equipe de cinegrafistas parte de um mesmo movimento.

Scorsese, De palma e Schrader se dão bem entre si, frequentaram a mesma escola de cinema e possuem histórico profissional que os levam ao mesmo ponto. Schrader escreveu dois roteiros para Scorsese, Taxi Driver e Touro Indomável, e Trágica Obsessão para De Palma. Robert De Niro, um dos atores mais associados a Scorsese, foi descoberto por De Palma, que repassou o roteiro de Taxi Driver para ele. Como De Palma disse, “Nós temos conexões diferentes. Somos amigos. Discutimos sobre os projetos uns dos outros e mantemos contato por todos estes anos.”

O contato de Hill com este grupo é mais tangencial. Ele não é um produtor de filmes para a Academia nem teve a vivência crua com a vida urbana como os outros tiveram. Mas ele e Schrader são amigos e expressam admiração pelo trabalho um do outro. Mais importante que isso, a natureza de suas artes é a mesma.

As origens históricas deste subgênero remontam ao estilo noir de filmes dos anos 40 e 50, histórias de criminosos com toques de escuridão. Mas apesar de beberem da mesma fonte inspiradora, seus personagens não se restringem a um estilo simplório (bang, bang, você está morto) sem muito derramamento de sangue. Esta abordagem bastante discreta da violência perdurou até os anos sessenta, quando foi espetacularmente destruída por Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas (Bonnie And Clyde, 1967), o filme que marcou o poder do diretor de destroçar seus personagens da maneira que quiser.

A violência poderia ser meramente confusa e chocante (como quando Gene Hackman leva um tiro no olho), ou absurdamente poética (como quando Warren Beatty e Fayer Dunaway são crivados de balas em slow motion). Como consequência, Sam Peckinpah, o principal ícone da violência cinematográfica, que vinha sendo obrigado a cortar seus mais sanguinários impulsos por anos, teve permissão para dirigir um genocídio no velho oeste, Meu Ódio Será Sua Herança (The Wild Bunch, 1969).

A próxima carnificina nas telas veio em 1972, com O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972) de Copolla, um testemunho da influência da Máfia a serviço dos oprimidos ítalo-americanos. Apesar de ser um filme marcante de muitas maneiras, muita da repercussão de O Poderoso Chefão veio do impacto gráfico das vinganças e massacres que ocorrem ao longo da história. Para ser justo, uma história realística de gangsteres requer que os chefões matem uns aos outros e que façam isso de forma sádica. Mas quando Sonny Corleone, perfurado por balas, ainda tem força suficiente para sair de seu carro com sua arma em punho, qual sadismo estamos testemunhando, o da Máfia ou o do diretor?

Brian De Palma

O sucesso de Coppola (O Poderoso Chefão rendeu 86 milhões) deve ter sido em grande parte inspirado em homens como De Palma, cuja carreira inicial como diretor de sátiras sociais começou a declinar após o desastroso O Homem de Duas Vidas (Ge to know your rabbit, 1972). Começando com Irmãs Diabólicas (Sisters, 1973), De Palma criou uma nova fórmula cinematográfica para si, combinando tramas ao modo Hitchcock, seu excêntrico e perverso senso de humor e macabros assassinatos.

Seu atual hit, Vestida Para Matar, é uma enxurrada de sangue, um drama sobre a vida urbana. O propósito de De Palma é criar uma trama que provoque ao máximo intensos sentimentos de delírio e medo. A paranoia urbana se torna uma terrível realidade quando Angie Dickinsons, como uma dona de casa sexualmente frustrada, fica presa em um elevador com um travesti assassino. Depois, uma jovem prostituta, protagonizada por Nancy Allen, vive uma dupla dose de terror no metrô quando fica cercada pelo mesmo assassino e uma gangue de rua.

A violência da cidade está em todo lugar, não apenas na estação de metrô, mas nas mais respeitáveis fachadas, como a identidade do assassino revela. De Palma tem orgulho de ter colocado o suspense acima do gore em seu filme, mas quando o sangue começa a jorrar, há o suficiente para alimentar uma família de vampiros.

De Palma também reconhece que a moralidade de seu filme é tão repulsiva quanto o vilão. Nós somos convidados a rir das desventuras eróticas de Dickinson, quem, apesar de estar em um vestido branco, se entrega facilmente a um estranho na parte de trás de um taxi. Após uma tarde ardente na cama, ela descobre que seu belo novo amante possui uma doença venérea.

O diretor deliberadamente tortura seus personagens psicológica e fisicamente, mas mais perturbador ainda, ele procura instigar a sede de brutalidade no espectador. Sequências como a da sedução de Dickinson são executadas com uma técnica que remete ao ídolo de De Palma, Alfred Hitchcook. Mas De Palma imita as sequências do mestre sem os critérios severos de Hitchcook, explorando os personagens em momentos de stress e demonstrando desprezo por eles.

Walter Hill

Hill gosta de se definir como um diretor de Westerns, apesar de que apenas um dos seus filmes se encaixa no gênero, Cavalgada dos Proscritos (The Long Riders, 1980).  De fato seu maior sucesso é Warriors – Os Selvagens da Noite (The Warriors, 1979), o qual rendeu 17 milhões de dólares, sendo um dos mais lucrativos dentre as produções dos Bárbaros. Warriors, uma adaptação de um livro escrito por Sol Yurick, era originalmente uma espécie de estudo sociológico sobre gangues de rua.

O livro possui menos ação que o filme, explorando mais detalhes sociais e econômicos. Suspeitos de terem assassinado Cyrus, um aspirante a Poderoso Chefão dos delinquentes juvenis da cidade, a gangue Warriors tem de lutar durante todo o percurso do Bronx até Coney Island em uma noite, perseguidos por várias gangues e pela polícia.

As imagens urbanas da cidade criadas por Hill são claustrofóbicas e fétidas, um turbilhão de túneis, sujeira e plataformas desoladoras. Os policiais são indiferentes. Os combates pontuais são remanescentes das maratonas de karatê dos filmes de Bruce Lee. Hill cria um teatro da violência no qual os participantes, vestidos com jaquetas pretas, macacões ou uniformes de baseball, parecem mais jovens no dia das bruxas que ladrões. Não obstante, a violência em Warriors parece suficientemente real para incentivar imitações entre os espectadores nos cinemas, deixando dúzias de pessoas seriamente feridas.

Hill evita escrupulosamente comentários políticos e atribui ao povo a caracterização de seus personagens. Claramente sua imaginação é plenamente energizada por suas sequências de ação, especialmente em suas mais brutais manifestações. Mas, assim como os truques de De Palma, nos perguntamos: para qual propósito? Warriors é menos censurável que Vestida Para Matar, mas tratando da violência como algo abstrato, um conceito isolado, a legitima. Esmagar a cabeça de alguém é praticamente a mesma coisa de se exercitar na academia.

Ao defender a brutalidade em seus filmes, Hill diz “Algum dia farei um filme realmente violento – como Elektra”. Boa tentativa, mas mesmo quando a violência é abundante na literatura clássica, divide o palco com a poesia, desenvolvimento dos personagens, autoconhecimento e um senso de humanidade, qualidades que são ignoradas e escanteadas pelos Bárbaros.

Além disso, o horror de Oepidus REx, Titus Andronicus e outras histórias clássicas, enquanto focam a visão artística desses trabalhos, não são a única razão deles. Quando a depravação e a violência são abstraídas da realidade e postas como retratos válidos da vida, toda a experiência artística se torna um show de carnificina gratuita, um playtime para os amantes do medo.

O público é ensinado a ter fome de violência e assim ingressos não são vendidos para nenhum outro tipo de filme. Seguindo por este caminho, a arte cinematográfica só pode ter sucesso se acompanhar um gráfico crescente de choque. Se um dedo for decepado em um filme, o braço inteiro deve ser arrancado no próximo.

Paul Schrader

A história de Paul Schrader, que começou em Grand Rapid, Michigan, onde ele se libertou dos rigores puritanos de sua família e fugiu para Hollywood, levando culpa a raiva com ele, já foi falada diversas vezes. Schrader ascendeu meteoricamente de crítico de cinema a roteirista e diretor, sendo reconhecido como o mais literário dos Bárbaros. Sua carreira como diretor começou com Vivendo na Corda Bamba (Blue Collar, 1978), que é um ótimo estudo da monotonia, da vida enjaulada dos operários da indústria automotiva de Detroit.

Após Vivendo na Corda Bamba, Schrader fez Hardcore – No Submundo do Sexo (Hardcore, 1979), um filme no qual tentou exorcizar demônios interiores criando um simulacro de seu pai (interpretado por George C. Scott) e o enviando para a indústria pornográfica de Los Angeles. O setor pornô para Schrader era uma metáfora para a cidade grande, com sexy shops e casas de massagens. O filme contrasta a miséria urbana com a retidão das cidades pequenas, mas a sensibilidade de Schrader é galvanizada pela fartura das grandes cidades, não pelo ambiente pastoral das cidades do interior.

Assim como nos trabalhos dos outros Bárbaros, a miséria provém e é o catalisador social que permite que a violência aconteça. Tendo se fartado em delírios depravados (incluindo um snuff filme contendo um assassinato pornográfico), o diretor toma partido da moda evangélica e decide que o dia do julgamento está à mão, detonando a vingança divina, devastando sua pequena Babilônia em uma explosão sangrenta.

Hardcore se mostrou uma decepção comercial, mas no filme seguinte de Schrader, Gigolô Americano (American Gigolo, 1980), um melodrama acerca de um acompanhante de senhoras que é acusado de assassinato, ele finalmente descobriu a combinação correta de ingredientes sensacionalistas.

Ao defender seu trabalho, Schrader tenta conciliar os seus conceitos internos com os personagens inquietantes que ele sempre introduz. “O desespero moral é melhor espelhado nas cidades que no campo, mas se espalha por todo o mundo.” Os outros Bárbaros possuem um raciocínio similar devido ao alto nível de escatologia em seus filmes, enquanto que suas críticas proveem várias discussões precedentes em trabalhos de grandes escritores do passado e do presente.

A poderosa tensão pessimista da literatura do século 20 não pode ser negada, mas seus mais notórios expoentes – Conrad, Kafka, Beckett – a transformaram em uma espécie de pureza intelectual: o sabor é sempre amargo e, aqueles que experimentam, sempre ficam com um estado mental específico, desespero. Em contraste, a sordidez da moderna vida urbana parece ter intoxicado os Bárbaros e eles, excitados, resolveram compartilhar a garrafa com o resto de nós, embriagando cinéfilos com carnificina e degradação. Esse ato pode ser compreendido talvez como uma legítima resposta à crise existencial, mas esses criadores mergulharam nisto com prazer.

Martin Scorsese

De várias maneiras, o Bárbaro modelo é Martin Scorsese, cujo Caminhos Perigosos (Mean Streets, 1972) ajudou a iniciar a demanda por filmes de violência urbana. Feito por um ainda insignificante e desconhecido, este filme autobiográfico sobre um católico italiano da vizinhança foi produzido para Hollywood e filmado em Nova York, em Little Italy.

Scorsese retrata sua antiga vizinhança como um desgastado e brutal inferno, com bandidos de meio período e inocentes deslizando rumo à corrupção, tornando suas almas cada vez mais negras a cada passo.

Em 1975, após o pálido, mas bem sucedido Alice Não Mora Mais Aqui (Alice doesn’t live here anymore, 1974), Scorsese, retorna com Taxi Driver à temática que o agradou mais profundamente: a vida nas ruas de Nova York. Aliado ao roteiro de Paul Schrader, pôde mergulhar na miséria metropolitana que o fascinava e o repelia ao mesmo tempo, através da perspectiva de um americano comum, motorista de táxi, cujo hostilidade enraizada logo atingiria nível crítico. 

Luzes vermelhas e o vapor subindo através das grades das calçadas lembram a decadência humana. Trabalhando no turno da noite, De Niro observa uma variedade de degenerados entrarem e saírem de seu táxi. Putas, sodomitas, bichas, tarados, efeminados e drogados. Travis brickle é como uma espécie de taxidermista da escória humana. Desafiadoramente apresentando o que suas Igrejas sempre os instigaram a odiar, Scorsese e Schrader saboreiam o exótico jardim da cidade enquanto sua sujeira vagarosamente enlouquece o protagonista.

Seu zelo equivocado finalmente explode e o tiroteio subsequente, um dos mais sangrentos na história do cinema americano, deixa três mortos e corpos mutilados. É difícil imaginar uma brutalidade que supere essa (embora em uma entrevista os dois criadores afirmaram que haviam tramado uma cena ainda mais violenta).

A intensidade de Scorsese e a chama de sua técnica cinematográfica – longas tomadas que conduzem à escuridão, close-ups em câmera lenta que capturam cada expressão facial – tornam possível que ele aumente consideravelmente o impacto de suas cenas. Assim como nos filmes de outro Bárbaro, a violência está ao lado do cinismo. O delírio do herói de resgatar uma prostituta adolescente é ridicularizado depois, quando ele é erroneamente declarado um herói. Scorsese e Schrader parecem estar zombando da sociedade.

É impossível calcular a quantidade de anestésico que os diretores injetaram no público norte-americano, o quanto o tornaram habituado à angústia física nos últimos 10 ou 15 anos. Certamente nossa complacência quanto à brutalidade parece crescer, não diminuir. Na lista, filmes brutais glorificam e encorajam o imenso potencial para a selvageria que já existe na América, atraindo grupos que procuram alguma identificação nos personagens que irá libertar sua agressividade fervente. As brigas que aconteceram em sessões de Warriors são provas sangrentas que a arte pode despertar o que há de bom ou de pior em nós.

A resposta da crítica especializada para os Bárbaros não tem sido uniforme, mas eles possuem uma grande e importante advogada: Pauline Kael, crítica cinematográfica da New Yorker. Sua única antipatia é contra Schrader, cujos trabalhos ela nunca gostou. Kael é frequentemente uma ótima crítica, mas sua campanha a favor dos trabalhos dos Bárbaros os deu validade intelectual. No caso do amplamente desacreditado Warriors, Kael resgatou o filme do descrédito, o classificando de filme autoral, munido de uma intensidade hipnotizadora.

Kael é conhecida como uma crítica que prefere um estilo de direção quente, inovador, a um convencional. Ela gosta do tipo de filme que não traz uma vitória da luz contra as trevas, mas que se mantém sempre no limite entre ambas. Tudo que ela parece exigir é que estas características sejam acompanhadas por técnicas cinematográficas eficazes. Ao adular De Palma, ela o elogia como um mestre sádico, celebrando sua persistente aura adolescente e sua divertida mente pervertida. Ela transforma o que todo mundo considerava repulsivo em virtude estética.

Reconhecidamente, há momentos admiráveis nos melhores trabalhos dos Bárbaros. Vivendo na Corda Bamba de Schrader é uma trama inteligente e cativante acerca de dois patéticos colegas de trabalho. E Caminhos Perigosos, apesar da lúgubre sede de sangue, é densamente convincente nos aspectos sociais que apresenta.

A publicidade em torno de Touro Indomável de Scorsese, a vida do boxeador Jake La Motta (programado para estrear próximo mês) sugere que pode ser inferior ao melhor de Caminhos Perigosos e pior que Taxi Driver, com referências ao temperamento explosivo de La Motta e seu legado de brutalidade.

Sem dúvidas Scorsese e Schrader poderiam ser rápidos para apontar que Vivendo na Corda Bamba e Caminhos Perigosos, ao contrário da alta bilheteria de Taxi Driver, terminaram no lado errado dos cálculos de perdas e ganhos. Mas também é inquestionável que um filme que depende de acontecimentos chocantes (Parceiros da Noite, por exemplo) pode fracassar tanto quando uma boa comédia (Apertem os Cintos, O Piloto Sumiu) ou um drama (Julia).

Apesar de muitos grandes artistas terem sido atraídos para alguns dos mesmos temas sombrios dos Bárbaros, eles geralmente procuram equilibrar o horror com humanidade e incorporar outros elementos. Filosoficamente, o argumento de que os Bárbaros apenas retratam a dor sem sentido de nosso mundo contemporâneo – cultivando uma tensão caseira baseada em trabalhos de gênios europeus como Sartre e Camus – é difícil de se sustentar quando eles se recusam a enxergar realmente o que mostram. Eles apenas exploram as possibilidades comerciais dos temas, mergulhando na lama e no sangue.

Quanto ao impacto sociológico dos Bárbaros, apesar de não termos instrumentos para provar, temos boas razões para ficarmos inquietos. Em seus comentários acerca do massacre ao final de A Fúria, Kael está exaltando a audiência a apreciar a matança. “Nós queremos (esta loucura assassina) assim como queremos ver a vagabunda da Chris levar o que merece em Carrie”.

Mas não estamos justificados em ficarmos alarmados com a possibilidade de o público ser manipulado a pedir apenas por sangue? Certamente o propósito da arte, seja a criada para grandes ou pequenas audiências, deveria ser para nos tornar mais humanos, e não menos.