O voo mais louco das suas vidas

Antes de Todo Mundo em Pânico, quando o trio ZAZ revolucionou a comédia e os filmes de paródias eram realmente engraçados e criativos.

Na época das locadoras, visitava frequentemente aquela estante com os filmes de capa branca, aquela cujos títulos raramente estavam entre os mais locados. Mas os que ficaram mesmo na memória foram aqueles que passavam à exaustão na tv aberta, como os vários Loucademia de Polícia (Police Academy, 1984), Férias Frustradas (Vacation, 1983) com Chevy Chase ou o Porky’s – A Casa do Amor e do Riso (Porky’s, 1982). Mas um marcou de forma especial: Apertem Os Cintos, O Piloto Sumiu! (Airplane, 1980). Jim Abrahams, David Zucker e Jerry Zucker estavam confiantes mas não eram otimistas o suficiente para imaginarem que um amontoado de piadas construídas em cima da história de um filme que ninguém lembrava nem gostava se tornaria um marco do gênero, imitado à exaustão e ainda lembrado 35 anos depois.

Promovi várias sessões caseiras de cinema em minha casa nas quais exibia comédias como Chumbo Grosso (Hot Fuzz, 2007), Os Outros Caras (The Other Guys, 2010), Porkys (1982), Fome Animal (Braindead, 1992), Trovão Tropical (Tropic Thunder, 2008), Sex Drive – Rumo ao Sexo (Sexdrive, 2008) e Gente Grande (Grown Ups, 2010) para os amigos. Durante o filme todo mundo ria alto, não sei se efeito das piadas ou do álcool. Quando acabava, geralmente iam embora dizendo que o filme era péssimo. Incongruências à parte é difícil encontrar uma comédia que faça todo mundo rir, que é o que se espera do gênero e ainda mais uma que o público respeite.

– O que ele comeu? – Ele comeu peixe.

Quando um peixe estragado deixa os passageiros e os pilotos doentes, a única esperança da tripulação é Ted Striker (Robert Hays), um ex-piloto que embarcou apenas para tentar convencer Elaine (Julie Hagerty), a aeromoça, a lhe dar uma segunda chance. O problema é que Striker desenvolveu pânico de pilotar devido a um trauma de guerra. É só isso que dá margem a todo tipo de situação nonsense e brincadeiras com referências a outros filmes, a começar da abertura, quando a cauda do avião imita a barbatana do tubarão com o tema clássico do filme de Spielberg. A linha narrativa se divide no que acontece dentro do avião e da torre de controle, além dos flashbacks de Striker quando conta sua história a todo mundo que senta do seu lado, causando o suicídio dos infelizes. Um desses flashbacks leva ao Bar Magumba, onde uma briga leva às cenas de Nos Embalos de Sábado à Noite, em uma das cenas mais hilárias do filme. Os atores eram tão sérios nos seus papéis que, quando era criança, achava que se tratava de um drama, apesar dos absurdos que aconteciam.

Se Preparando Para Embarcar

Quando David Zucker era apenas um estudante em Milwakee, em 1960, uma de suas professoras fez uma profecia quando ele estava perturbando na sala de aula: “Zucker, eu sei que um dia ainda irei pagar para que você me faça rir mas, até lá, sente sua bunda na cadeira e abra seu livro”.


Ela estava certa. Aquele mal comportado estudante iria reinventar a comédia nos telões norte-americanos com um filme chamado “Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu!”, dirigido e escrito por ele, seu irmão Jerry e o amigo Jim. Filmado em 34 dias, custou a humilde bagatela de $3,5 milhões e arrecadou $83 milhões quando saiu nos cinemas em 1980, lançando um novo estilo de fazer comédia e transformando Leslie Nielsen, um ator sério até então, em um herói cômico e inesquecível. Ao longo do processo, Zucker, Abrahams e Zucker também inspiraram o Saturday Night Live e lançaram outro titã do cinema na década de 80, John Landis.

“A vida de todos a bordo depende apenas de uma coisa: Encontrar alguém que possa pilotar esse avião e que não tenha comido peixe”

Ver Apertem os Cintos é como ser metralhado por uma AK-47 municiada com piadas. Não há tempo para recuperar o fôlego e já vem mais uma rajada em cima de você. E tudo isso feito por um trio que mal sabia qual era o lado certo da câmera quando começaram. “Nós perdemos muito tempo tentando convencer qualquer um que poderia ser engraçado que começamos a acreditar em nós mesmos. Então estávamos seguros de si e não ficamos surpresos quando aquilo se tornou um sucesso. Mas ninguém imaginava que continuaria sendo um sucesso depois de 30 anos”, disse Jerry Zucker. Isso foi no início da década de 80. O DVD não existia e o videocassete estava na infância. Os filmes não tinham uma segunda vida fora das telas.

ZAZ eram três judeus espertos dos subúrbios de Milwaukee, Wisconsin, que cresceram assistindo programas de televisão e filmes hollywoodianos da década de 50. O programa favorito deles era “Leave it to Beaver”, uma comédia sobre uma família de brancos suburbanos. “Nós tivemos uma educação típica do meio-oeste. Sabíamos que não éramos sofisticados. Não éramos de NY nem de LA – nem mesmo de Chicago. Éramos de Milwaukee, que é uma curva na estrada: nada jamais veio de lá. Na infância ninguém tinha medo de apanhar da gente, mas verbalmente você poderia ser cortado ao meio por insultos, piadas ou qualquer outra coisa do tipo. Tudo era feito para soar engraçado, mas poderia não ser compreendido. Assim era necessário tem uma boa sagacidade para se safar.” disse David. Nenhum deles era grande coisa como estudantes, assim se destacavam sendo os palhaços da classe.


O trio terminou indo parar em LA na década de 70. Cinco anos depois estavam comandando seu próprio programa de tv, o Kentucky Fried Theatre. Era algo tipo Casseta & Planeta, só que engraçado. Tinha o mesmo ritmo de Apertem os Cintos, mas desenvolvido na forma de teatro ao vivo. Escreviam piadas e contavam. As pessoas saiam dizendo que suas mandíbulas doíam após o show, e eles queriam conseguir aquela mesma reação no cinema. Trinta anos depois, eles descobriram que um produtor da NBC, Lorne Michaels, havia visitado o show deles naquela época e dito: “Eu quero isso na minha emissora”. O resultado foi o Saturday Night Live, um sucesso instantâneo e o mais longevo programa de comédia da história da televisão americana.

“Não há nenhum motivo para pânico, podem aproveitar o restante da viagem. Falando nisso, por acaso, há alguém a bordo que saiba pilotar um avião?”

Os primeiros trabalhos de Abraham e dos irmãos Zucker mostravam como eles, sem esforço nenhum, enchiam as cenas de gags visuais e piadas rápidas. Hoje em dia esse estilo de paródia de gêneros tem sido copiado por filmes consideravelmente menos engraçados. Coisas sem alma como Inatividade Paranormal, A Saga Molusco e Super Heroi – O Filme.

O primeiro filme do trio ZAZ foi The Kentucky Fried Movie (1977), uma série de curtas tal qual o programa da televisão. Como eles não sabiam nada sobre como dirigir um filme, contrataram o, à época desconhecido, John Landis para dirigir. O cara viria a se tornar um monstro do cinema nos anos 80 e 90, dirigindo Os Irmãos Cara De Pau (The Blues Brothers, 1980), Um Lobisomem Americano em Londres (An American Werewolf In London, 1981) e o clipe Thriller, de Michael Jackson. Apesar de terem gostado de Landis, eles queriam suas sugestões atendidas 100% e não 89%. Eles queriam a coisa do jeito deles.

 

O trio costumava deixar um videocassete gravando toda a programação noturna para servir de inspiração para o Kentucky Fried Theatre. Era à noite que as coisas mais bizarras eram transmitidas. Uma manhã viram que havia gravado um filme chamado Entre a Vida e a Morte (Zero Hora, 1957). Era uma dessas tranqueiras tão ruins que se tornava cômica. Então compraram os direitos do filme e começaram a trabalhar em cima dele.

Zero Hora, escrito por Arthur Hauley, é uma trama absurda de intoxicação alimentar a 30.000 pés de altura e repleto de diálogos sem noção. Eles conseguiram que um produtor da Paramount, Howard W Koch, os ajudasse na escalação de roteiros, a convencerem os atores a embarcarem naquela loucura.

Os atores Robert Stack, Lloyd Bridges, Peter Graves e Leslie Nielsen foram escolhidos por sua reputação de interpretarem apenas personagens sérios. Antes deste filme, os atores nunca haviam feito comédia e isto fez com que o filme ficasse ainda mais engraçado. Ninguém fazia cara de bobo, ao contrário, eram os mais sérios possíveis enquanto diziam alguma bobagem ou acontecia alguma absurdo ao redor deles.

Conseguir que todos os atores topassem a empreitada necessitou de um pouco de persuasão: Havia Peter Graves como missão impossível, que interpretou o capitão Oveur; Leslie Nielsen, a estrela de Planeta Proibido, que interpreta Dr. Rumack; Lloyd Bridges, o homem da torre de controle, e o durão Robert Stack, de Palavras Ao Vento (Written on the Wind, 1956) e Os Intocáveis (a série de tv), como Rex Kramer, o cara que ajuda a pousar o avião.

Graves deu uma olhada no roteiro e apenas o jogou no lixo. Ele interpreta um pedófilo que pergunta a um garotinho visitando a cabine de voo: “Billy, Já viu um homem adulto nú?” Lloyd Bridges perguntava sobre a motivação do personagem ou algo assim e Stack respondeu: “Lloyd, há uma lança que vai voar em direção à parede e uma melancia vai explodir à esquerda da tela. Acredite em mim, ninguém estará olhando pra nós!”

Nunca abra a janela de um Concorde

Apertem os Cintos foi quase colocado pra escanteio por Airport 80: The Concorde, praticamente uma auto-paródia não intencional. Em um momento, George Kennedy sussurra para Sylvia Krystel: “Por que acha que chamam isso de cockpit?” Em outra cena, ele abre uma janela (durante um voo em match 4) para atirar em um jato russo com um revólver. O estúdio viu que seu filme estava se tornando engraçado do jeito errado e então mudaram o pôster para algo como ‘As emoções são grandes – assim como os risos’. Mas tinha mais risos que emoções.

Atualmente, Airport 80 é uma reprise perdida de fim de noite, um lixo televisivo. Já Apertem os Cintos permanece tão atual e ridículo quanto no dia em que estreou. Jerry lembra que pessoas que nem eram nascidas na época conhecem Apertem os Cintos.

Top Secret – Superconfidencial

Depois de Apertem os Cintos, o trio ZAZ voltou a atacar em Top Secret – Superconfidencial (Top Secret, 1984). Talvez por conta de tantos sucessores medíocres que se seguiram, ainda é uma obra significante. O filme traz a estreia de Val Kilmer como Nick Rivers, um músico que viaja para a Alemanha Oriental para realizar o primeiro show de rock no país. Lá, termina se envolvendo em uma trama de espionagem quando salva e se apaixona por “aquela cujos seios desafiam a gravidade”, Hillary Flammond (Lucy Gutteridge), filha de um cientista que fora sequestrado pelos alemães e obrigado a construir uma arma de guerra. A sequência da vaca com botas é a mais icônica, tanto que o animal aparece na maioria dos pôsteres do filme. Top Secret também abre espaço para parodiar A Lagoa Azul (The Blue Lagoon, 1980).

Corra Que o Trio ZAZ está à solta


Dois anos depois lançaram Por Favor, Matem Minha Mulher (Ruthless People, 1986), com Danny DeVitto. A partir de então o trio então se separou, mas individualmente continuaram com uma atuação importante no cinema. David Zucker veio com Corra Que A Polícia Vem Aí (The Naked Gun, 1988) e Corra que A Polícia vem aí 2 e 1/3 (The Smell of Fear, 1991), com o impagável Leslie Nielsen, um ator que se tornou sinônimo de comédia, fazendo o público rir só de olhar pra ele. A terceira sequência David apenas colaborou no roteiro. Jim Abrahams fez Cuidado Com as Gêmeas (Big Business, 1988) e os antológicos Top Gang! – Ases Muito Loucos (Hot Shots!, 1991) e Top Gang 2! – A Missão (Hot Shots! Part Deux, 1993). Os dois transformaram o Charlie Sheen em mais um ícone da comédia. Já Jerry Zucker mudou radicalmente o estilo e dirigiu Ghost: Do Outro lado da Vida (Ghost, 1990), um tremendo sucesso cinematográfico que também ganhou reprises semestrais na Sessão da Tarde, perdendo apenas, talvez, para A Lagoa Azul. Também fez o medieval Lancelot, o Primeiro Cavaleiro (First Knight, 1995), com Sean Connery e Richard Gere e voltou posteriormente à comédia com Tá Todo Mundo Louco! – Uma Corrida de Milhões (Rat Race, 2001)

A influência do trio na comédia norte-americana perdura até hoje, mas seus imitadores perderam a graça há muito. O declínio das paródias começou a partir de Todo Mundo Em Pânico (Scary Movie, 2000) e suas continuações cada vez piores. Atualmente o sub-gênero está uma desgraça completa, digno de competir com Zorra Total. Produções medíocres e preguiçosas como Inatividade Paranormal (A Haunted House, 2013), A Saga Molusco (Breaking Wind, 2012) e o último Super Velozes, Mega Furiosos (Superfast, 2015), provavelmente o pior de todos, afundam cada vez mais a herança do trio ZAZ.

Dos imitadores, Máquina Quase Mortífera (Loaded Weapon 1), com Emilio Estevez e Samuel L. Jackson está entre os melhores. O Foragido (Wrongfully Accused, 1998) e Duro de Espiar (Spy Hard, 1996), ambos estrelados por Leslie Nielsen, também são recomendáveis. Não posso deixar de citar também Uma Escola Muita Doida (High School High, 1996), no qual David Zucker colaborou no roteiro, rendendo uma paródia centrada especialmente no filme Um Diretor Contra Todos (The Principal, 1986), estrelado por James Belushi. Infelizmente este não foi tão reprisado quanto os outros.