Um musical da Nova Hollywood. Uma combinação que pode ser fatalmente indigesta para a grande maioria do público atualmente, mas que foi forte o suficiente para concorrer ao Oscar de Melhor filme na edição de 1980 ao lado de Apocaypse Now do Coppola e continua um clássico cinematográfico atemporal.
Um projeto pessoal do diretor e coreógrafo Bob Fosse, O Show Deve Continuar narra a montagem a partir do zero de um show da Broadway sob o ponto de vista do protagonista, o famoso (naquele universo) Joe Gideon (Roy Scheider), um sujeito bon vivant, mulherengo, perfeccionista e obcecado com a arte dos palcos. O tipo de gente que coloca os limites físicos de lado quando assume um projeto. Ao mesmo tempo em que trabalha no novo espetáculo, tenta concluir a montagem de um filme em que vem trabalhando há meses com o prazo já completamente estourado. Para aguentar a rotina, que inclui um pouco de tempo para sua namorada e sua filha, Joe recorre ao uso de metanfetaminas e álcool diariamente. Na verdade, Fosse fez um filme sobre ele mesmo, e deu certo. Recebeu os mais altos elogios até de Stanley Kubrick.
O filme inicia com Gideon selecionando o elenco para montar o show. Uma multidão de dançarinos vai aos poucos se reduzindo até sobrar os elementos apropriados. Os bastidores são explorados de forma crua. Gideon seduz e dorme com uma das dançarinas, que depois é humilhada aos gritos por não conseguir realizar os movimentos exigidos por ele em um ensaio. Apesar de manter um relacionamento sério com Kate (Ann Reinking), a trai abertamente, mas não suporta a ideia de que ela faça o mesmo com ele ou que se afaste dele mesmo que seja para se focar em sua carreira artística. Ainda assim, o protagonista não é um homem mau, de fato perverso, é apenas um artista egocêntrico que encara a própria vida, inclusive a sentimental, como um diretor que exige as coisas à sua maneira. É egoísta e intransigente além da superfície, mas ainda assim consegue cativar as pessoas projetando uma personalidade magnética. Tanto é que sua ex-esposa, Audrey (Leland Palmer), também produtora, fará o papel de protagonista, o ajudando a superar bloqueios criativos e ficando ao seu lado em sua jornada de autodestruição.
A narrativa é entrecortada por cenas nas quais ele fantasia internamente uma espécie de terapia onde, com a ajuda de uma personagem chamada Angelique (Jessica Lange), analisa suas decisões e atitudes passadas e presentes. Inicialmente estranhas, no decorrer do filme essas interrupções vão se tornando mais interessantes, ajudando a compreender o personagem e até se torna o verdadeiro show composto por ele, mais autêntico que o espetáculo da Broadway que está montando na realidade.
Mesmo quando encara a possibilidade de morte após um ataque cardíaco, Gideon não perde seu bom humor, assediando enfermeiras e fãs. Enquanto no hospital, os produtores debatem acerca das possibilidades de o investimento ter retorno, um jogo de probabilidades calculadas sobre sua vida ou morte. A arte é sim expressão interior e pode ser uma criação independente, mas deve ser lucrativa para continuar existindo, ao menos no nível que a Broadway demanda.
Para alguém que tornou o trabalho prioridade em sua vida, acima da família, a possibilidade de ter de se afastar é praticamente uma sentença de morte antecipada. O filme também mostra o efeito que as duras críticas negativas exercem sobre os autores, e os críticos de jornais daquela época usavam palavras cáusticas, tendo poder de vida e morte acerca do sucesso de uma produção. O próprio Fosse já sentiu na pele esse efeito em Charity, Meu Amor (Sweet Charity, 1969), que foi execrado pela crítica especializada apesar de todas as suas qualidades.
O diretor até então havia ganhado um Oscar pelo também musical Cabaret (1972) e um Emmy pelo especial para a televisão Liza with a Z (1972). Passou por uma internação por conta de um ataque cardíaco, onde repensou sua vida e resolveu parar com a bebida e os cigarros. A decisão durou até o início da produção de O Show Deve Continuar. Outro ataque cardíaco o mataria em 1987.
Para quem curte o rock do Meat Loaf ou qualquer coisa parecida, os números musicais do filme não serão nenhuma tortura. O Show Deve Continuar é um musical indicado até para quem acha que não gosta do gênero.
O Show Deve Continuar (All That Jazz, 1979)
Diretor: Bob Fosse
Elenco: Roy Scheider, Jessica Lange, Leland Palmer
Gênero: Musical; Drama
Duração: 2h3min