Artigo por: Célio Gustavo Soares Gaião
O judeu ortodoxo, de acordo com a imagem reforçada pela cultura pop em produções como Os Simpsons, é aquela figura que veste capote presto, chapéu, cultiva a barba e faz tranças no cabelo, além de usar outros acessórios. Menashe Lustig é um deles mas, tirando o visual, ele não se comporta de forma exatamente ortodoxa. Sua esposa morreu recentemente e seu filho, Rieven (Ruben Niborski) passa a morar com o tio, Eizik (Yoel Falkowitz). Pelas regras da comunidade judaica, enquanto Menashe não se casar novamente, o garoto deve permanecer em um lar onde haja uma família, homem e mulher .
O problema é que Menashe tenta burlar essa regra. Recusa-se a comparecer ao casamenteiro e questiona esse costume. Apesar da morte da esposa ter sido, de certa forma, uma tragédia, seu casamento não fora exatamente feliz e ele não se sente à vontade para arriscar uma nova união arranjada apenas para seguir as regras do seu povo. Assim, tenta convencer os companheiros de que pode ser um bom pai mesmo sem uma mulher. Tarefa praticamente impossível, pois consta no Talmude: “O homem não deve viver sozinho”.
Durante o decorrer do filme, Menashe consegue desconstruir a imagem preconcebida do judeu como um sujeito organizado financeiramente, obediente às suas leis, sério e recatado. O cara se embriaga com os amigos e com colegas de trabalho, deve dinheiro, contraria as orientações do Rabbi local, Ruv (Meyer Schwartz), é desastrado e desorganizado. Claro que, por seu comportamento, é motivo de desgosto para os seus, sempre sofrendo censura e levando sermões. Desleixado com a casa, a aparência e em dificuldades financeiras, trabalha em um mercadinho de bairro, pertencente a outro judeu ortodoxo, que tolera seus atrasos, faltas e prejuízos, não sem dar lições de moral.
A ideia de fazer parte de uma comunidade fechada, na qual todos cuidam de todos, parece atraente. Mas, na realidade, o que se ganha também é uma enorme família que o vigia e julga o tempo inteiro suas ações, te sufoca e, mesmo quando quer te ajudar, não o faz sem certa humilhação, como bem mostra a relação dele com o irmão da falecida esposa, Eizik. Na verdade, a película mostra que um judeu ortodoxo pode ter todos os problemas que qualquer outra pessoa. Problemas com a família, com emprego e com parentes.
O filme consegue passar bastante naturalidade ao ponto de achar que está se assistindo um documentário, não uma obra de ficção. A linguagem falada durante a maior parte da película é o iídiche, se confundindo até com um filme estrangeiro, embora seja uma produção estadunidense, filmada em Nova York. Fora os clientes do mercado e transeuntes, Menashe foca exclusivamente na comunidade judaíca, visitando seus lares, apresentando seus costumes, hábitos, reuniões formais e informais.
O elenco quase todo é formado por judeus ortodoxos de verdade. O protagonista interpreta ele mesmo, contando uma história baseada em fatos de sua própria vida. O diretor Joshua Z. Weinstein dirigiu cinco documentários e alguns curtas, sendo Menashe o primeiro filme de sua carreira. Weinstein também é judeu, mas não-ortodoxo. Atrás de alguma história para contar, esbarrou em Menashe pelo Brooklyn e o projeto começou a tomar forma.
A comunidade, como era de se esperar, não encarou com boa vontade que um dos seus se tornasse protagonista em um filme como esse. Houve pressão em cima de toda a equipe, na forma de dificuldades para conseguir financiamento, desistência de atores (no caso, dos “não atores”) e até expulsão de algumas locações. Mesmo assim, o filme foi concluído. Estreou no festival de cinema de Sundance, ocasião que marcou a primeira ida de Menashe a um cinema. O público ria e chorava durante a exibição do filme, emoção que atingiu em cheio o astro.
Dentre a comunidade judaica, assistir a filmes é uma diversão reprovável. Imagine então atuar em um que exigia esse nível de exposição, com o personagem principal como uma espécie de ovelha negra que desrespeitava as regras do grupo. Havia o perigo real de Menashe ser até expulso. Mas aconteceu que começaram a tolerar o filme, dizendo coisas tipo “esse até que não é ruim”.
Menashe (2017)
Diretor: Joshua Z. Weinstein
Gênero: Drama
Duração: 1h22min