James Cameron e Paul Verhoeven: Militarismo e o terror das grandes corporações em futuros alternativos

Cameron e Verhoeven são contemporâneos hollywoodianos. Ambos estrearam para o mundo em meio ao exagero da década de 1980, mas a base deles era sólida o suficiente para criarem obras que marcaram, além de outros aspectos, pela habilidade em acrescentar camadas a filmes de ação com premissas extravagantes. Transformaram temas que poderiam render filmes B divertidos ou duvidosos em peças importantes integradas à história do cinema e referências na cultura pop.

Imagine pegar projetos sobre um robô assassino vindo do futuro, um policial metade máquina metade homem, um agente secreto nas areias de Marte ou uma guerra interplanetária envolvendo um mundo habitado por insetos e conseguir dar vida a obras sólidas que são alicerçadas com algo mais que tiros, explosões e sangue.

O primeiro longa metragem do canadense James Francis Cameron foi um projeto absurdo, Piranhas 2 : Assassinos voadores (Piranha Part Two: The Spawning, 1981), uma pilhéria trash que animou as noites de muito adolescente por aqui em suas reprises na tv aberta. O jogo viraria completamente no trabalho seguinte. O Exterminador do Futuro (The Terminator, 1984) impressionou pela história, sequências de ação e efeitos especiais, catapultou Arnold Schwarzenegger como um astro da ação e conseguiu o feito de produzir uma continuação tão marcante quanto, o tipo de sucesso que é alcançado por bem poucos.

O Exterminador do Futuro, como todo bom filme, é uma mistura de gêneros: ação, ficção científica, romance e terror. O ciborgue futurista é uma máquina de matar, um assassino tão ou mais aterrorizante que um vilão de filme slasher, demônio ou monstro. O futuro daquele universo construído por Cameron é uma condenação ao inferno, onde o ser humano vive escondido em túneis subterrâneos, caçado por máquinas, sobrevivendo de restos. Nesse futuro, o militar se torna herói após um problema criado pelo próprio militarismo. Cabe a um soldado viajar pelo tempo para encarar uma luta impossível que representa, se não a salvação da humanidade, a manutenção de uma esperança na vitória contra as máquinas.

Robocop: O Policial do Futuro (Robocop, 1987), se passa em outro futuro alternativo, no qual a própria humanidade arruinou a sociedade, a delegando a políticos corruptos e a vendendo a empresas tão frias quanto o supercomputador Skynet. Nessa realidade, os policiais são como soldados em uma guerra literal travada nas ruas contra criminosos que não têm medo algum de despedaçá-los. Nesse conto conduzido pelo holandês Paul Verhoeven, o terror é urbano, formado por gangues e criminosos profissionais em uma cidade desolada.

Uma baixa dessa guerra, o policial Alex Murphy (Peter Weller), se torna um equipamento privado no combate ao crime, propriedade da OCP, uma peça de guerra a ser testada nas ruas antes de ser produzida em massa e enviada para matar em outras terras. O Exterminador e o Robocop foram criados para um mesmo propósito: obedecer e matar. Soldados perfeitos, ou seriam.

Verhoeven e Cameron também foram para o espaço e além. Ambos colocaram soldados para enfrentarem ameaças alienígenas. Em Aliens: O Resgate (Aliens, 1986), uma tropa de fuzileiros de uma empresa privada é enviada para uma missão em um planeta onde mineradores se encontram sob a ameaça mortífera dos xenomorfos. Em Tropas Estelares (Starship Troopers, 1997), uma Terra com uma sociedade fortemente militarizada envia seu exército para invadir um planeta alienígena lar de insetos supostamente beligerantes. Ambos os filmes renderam cenas de combates cruéis, com sangue e membros decepados, vidas perdidas em troca de interesses obscuros. 

Cameron, antes de submergir para encontrar o Titanic (1997), também enviou um elenco para o fundo do mar em O Segredo do Abismo (The Abyss, 1989), no qual um grupo de mergulhadores tem de se aliar a uma equipe de militares para resgatar um submarino nuclear naufragado. O resultado foi um terror aquático, um novo encontro com o desconhecido em um ambiente tão inóspito quanto o espaço. Mais uma vez, Cameron expôs o perigo do militarismo, da beligerância como resposta fácil a qualquer conflito, finalizando com uma mensagem de paz mundial que soa até piegas.

Ambos os diretores também abordaram o tema da colonização espacial. Cameron, em seu último projeto, Avatar (2009), mostrou uma empresa beligerante ampliando seu império utilizando o mesmo modus operandis que resultaram em massacres indígenas durante a conquista do oeste americano, onde tratados de paz seguiram por traições e guerras devastadoras em busca de extrair riquezas da terra. A diferença é que a Marte colonizada em O Vingador do Futuro (Total Recall, 1990) era inicialmente um planeta estéril, que reproduziu os piores aspectos da Terra, criando castas de privilegiados contra rebeldes nativos desprezados. Ironicamente, os marcianos, sangue do nosso sangue, aqueles que representariam o nosso futuro além das estrelas, são colocados como espécime inferior, mutantes deformados.

O modo como os dois cineastas retratam a violência em suas obras é bem semelhante. Ambos figuram no hall dos grandes diretores de ação que formataram e consolidaram o gênero. As cenas de violência gráfica são fartas, entram nos momentos certos e provocam o impacto devido, mas a história continua mais interessante que a ação em si. 

Quando o androide Bishop (Lance Henriksen) é trespassado pela rainha alien no final de Aliens o Resgate, o espectador não sente menos por não ser um humano a vítima. A cor do líquido que escapa do corpo destroçado não ameniza a violência do momento. Verhoeven vai mais além em Robocop, quando o protagonista, ainda humano, é destroçado pelos marginais de Detroit, ou mesmo depois, quando o policial robô enfia a estaca retrátil em seu punho no pescoço de um bandido, tomando um banho de sangue vampiresco em seguida. O gênero ação desde então vem perdendo muito do seu potencial, amenizado por um cinema cada vez mais condescendente quanto às restrições de censura e inócuo em aspectos sociais. 

Ambos os diretores usaram Schwarzenegger, contribuindo para que o ator fosse reconhecido como um dos maiores, se não o maior, astro da ação de sua época. É com Cameron que Ellen Ripley/Sigourney Weaver se torna ícone do cinema de ação, salvando soldados de um massacre e encarando uma rainha alien no corpo a corpo, reformulando a personagem do filme original de Ridley Scott, mais sexy e menos combativa.

Na sequência do filme de 1984, O Exterminador do Futuro: O Julgamento Final (Terminator 2: Judgment Day, 1991), é a vez de Sarah Connor/Linda Hamilton sofrer um remodelação, se tornando uma guerreira pronta para enfrentar a maior ameaça da humanidade. O diretor tem predileção confessa por mulheres fortes, tanto que casou com a atriz.

As mulheres nas obras de Verhoeven também aparecem como personagens fortes, como a policial Lewis (Nancy Allen), parceira de Alex Murphy (Peter Weller), e Lori (Sharon Stone), a loira fatal esposa do agente Quaid (Schwarzenegger), ou ainda a soldado Carmen (Denise Richards) de Tropas Estelares. 

É verdade que, enquanto Cameron se mostrava mais preocupado com questões que envolviam o destino da humanidade, com exceção de Titanic, Verhoeven mantinha suas obras com focos mais pontuais, mais próximos a nós. A colonização de Marte era uma questão de poder e influência, de expansão de um sistema de desigualdades. Se os Aliens fossem resgatados pela maligna empregadora de Ripley, a vida humana no universo estaria ameaçada.

Caso o projeto Robocop fosse um sucesso, ao menos da forma como a empresa projetava, muito sangue inocente continuaria a ser derramado em guerras ao redor do mundo, estendendo e agravando uma situação que já é realidade. OCP e Cyberdyne tinham o mesmo objetivo e o resultado de seus esforços se voltou contra elas com consequências diferentes. 

O resgate do artefato nuclear do submarino naufragado em O Segredo do Abismo poderia dar sequência a uma nova guerra mundial com potencial para aniquilar a humanidade, enquanto que o exército de Tropas Estelares representava, afinal, mais perigo para os insetos alienígenas que para nosso planeta.

Se a intenção dos mercenários de Avatar era conquistas um planeta alienígena em troca de minérios, mesmo que para isso uma raça inteira fosse condenada, os empresários em O Vingador do Futuro esperavam apenas manter uma colônia em Marte. 

Ambos os diretores abordaram temas afins em um determinado período, embora um se mostrou mais cósmico e outro mais prático. Durante a década de 1980 e o início da seguinte, com a iminência do fim da ameaça nuclear, a humanidade estava deslumbrada observando atentamente o desenvolvimento tecnológico e, portanto, desenhos de novos mundos, novas ideias de um futuro moderno, o que envolvia expansão, ir além de nossas barreiras físicas e éticas. Esses dois cineastas amplificaram esses sonhos e apresentaram suas consequências negativas em simulacros de futuro.