Dessa nova geração de cineastas, dois diretores/roteiristas possuem estilos afins: O Jeremy Saulnier e o S. Craig Zahler. Os trabalhos de ambos apelam bastante para a violência gráfica, ainda que com algumas diferenças sutis quanto à abordagem. O Saulnier é mais pé no chão, constrói situações mais verossímeis, seus roteiros são em geral mais criativos. O Craig Zahler parece beber do cinema exploitation. A violência em seus filmes é crua e chocante mas, em certos momentos, ultrapassa o limite do absurdo ao ponto de ser até cômica. Em Dragged Across Concrete (ainda sem título oficial nacional), seu terceiro longa, o momento em que essa transição ocorre parece mais clara, como na sequência com a Jennifer Carpenter.
Os filmes do Zahler possuem menos conteúdo, são tipo “classe B de luxo”. Ambos os cineastas são muito bem vindos nesses tempos hollywoodianos em que o gênero ação é inundado por produções descerebradas com protagonistas super humanos que dão a sensação de estar vendo não um filme, mas alguém jogando qualquer coisa num PS4.
O longa começa apresentando personagens em situações próprias para depois, lentamente, amarrar todas as tramas em uma convergência de acontecimentos. Temos Henry Johns (Tory Kittles) saindo da cadeia e visitando sua família desestruturada, a dupla policial em uma ação de apreensão de drogas, uma garota sofrendo agressão à caminho de casa, um assaltante mascarado roubando uma loja sem deixar testemunhas e uma bancária relutante em voltar ao trabalho após a licença maternidade.
Na trama, ao realizarem a prisão de um traficante de drogas, a dupla de policiais formada por Brett Ridgeman (Mel Gibson) e Anthony Lurasetti (Vince Vaughn) é filmada praticando a boa e velha violência policial. A repercussão das imagens nos telejornais obriga o chefe deles a dar uma licença não remunerada à dupla enquanto a fúria da mídia é apaziguada. Acontece que, na situação financeira em que ambos se encontram, dois meses sem salário será fatal.
Ridgerman é um veterano da corporação que viu todos os seus parceiros subirem de carreira enquanto ele ficava estagnado, embora cumprisse bem seu trabalho. Sua esposa, ex-policial, foi ferida em serviço e não pôde mais trabalhar. Sua filha, desde a exposição do pai, sofre retaliações diárias dos garotos da vizinhança. A única solução imediata para a família é se mudar. Os problemas de seu parceiro, Lurasetti, são de ordem sentimental. Ele pretendia pedir a namorada em casamento com um anel de diamante, mas será obrigado a esperar.
A solução surge na oportunidade de dar um golpe em possíveis traficantes. O filme trabalha bastante a motivação dos policiais, especialmente a de Ridgerman, e também a do Henry Johns. Esse desenvolvimento é por vezes desnecessariamente verborrágico, com direito ao personagem explicar detalhadamente ao parceiro (e consequentemente ao espectador) sua opção pelo crime, ou então exagerada. O amor de colégio de Johns se tornou prostituta, seu irmão menor é paraplégico e sua mãe basicamente também é uma prostituta. A sociedade ferrou com todos eles, então é chegado o momento de dar o troco, ignorando leis, regras e até a própria consciência.
Zahler trabalha bastante na construção da tensão, que se torna um ponto chave do longa. A ação acontece de forma repentina, rápida, brutal e fria, especialmente por conta de um antagonista misterioso, um assassino mascarado que não hesita em matar ou mutilar física e psicologicamente suas vítimas. À medida em que o cerco se fecha, a história se encaminha para o confronto de forças entre a dupla policial e os criminosos, um combate que privilegia inteligência e estratégia.
A idade fez muito bem à imagem de durão de Mel Gibson, confirmando o que já vimos em O Fim da Escuridão (Edge of Darkness, 2010) e em Plano de Fuga (Get The Gringo, 2012). É o famoso papel de enrolar prego. O Vince Vaughn, tão associado à comédia, entra de vez no ramo da ultra violência em sua segunda parceira com Zahler. Aqui a dupla encarna personagens que ousaram adentrar o lado negro da vida, após o que consideraram atos de profunda injustiça, e então se afundam na escuridão, tomando decisões que fazem o público torcer o nariz para eles. É um espetáculo de imoralidade e cinismo, ressaltado pelos cálculos percentuais fornecidos por Ridgerman a todo movimento, mas o vilão da trama é tão desumano que os policiais continuam os mocinhos, ainda que, ironicamente, sejam forçados a matar até inocentes. Um roteiro forte, embebido em sombras e sangue, que não é facilmente digerível pelo público padrão.
Dragged Across Concrete (2018)
Diretor: S. Craig Zahler
Gênero: Policial; Suspense
Elenco: Mel Gibson; Vince Vaughn; Jennifer Carpenter
Duração: 2h39min