Tem um tipo de comédia romântica cuja base do roteiro, do que move o protagonista, é a reconstrução. Superar um término de relacionamento que parecia anunciar o fim do seu mundo. Cashback é um filme desse tipo, mas com o característico humor inglês, ácido.
Ben Willis (Sean Biggerstaff) é um estudante de arte que, após receber um fora da namorada, desenvolve insônia crônica. Ele fica aguardando o tempo curar suas feridas sentimentais de forma natural, mas as noites insones se arrastam e, quanto mais tempo permanece acordado, mais pensa na garota e nos momentos felizes que tiveram, o que apenas prolonga o sofrimento.
Ao fazer compras no horário noturno em um supermercado, decide aproveitar o tempo extra que ganhou sem dormir preenchendo uma vaga de funcionário no local. Ben logo se entrosa com a turma do expediente noturno e acaba se aproximando de Sharon (Emilia Fox), a garota do caixa.
Em um dos capítulos do livro A Sociedade Ingovernável, o autor descreve uma batalha interminável que se dá entre os trabalhadores e os gerentes, braços dos proprietários. O gerente quer extrair o máximo de tempo de trabalho dos funcionários, enquanto estes organizam qualquer estratégia para roubar o máximo de segundos possíveis para eles mesmos durante o expediente. Atualmente esse conflito é conhecido como “antitrampo”. Esse tipo de conflito é mostrado também em Cashback.
Tanto Ben quanto seus colegas se organizam de modo a conseguirem extrair o máximo de tempo ocioso durante as noites no supermercado, enquanto o chefe não está olhando. Organizam olimpíadas nos corredores, esticam os minutos de folga, fazem piadas internas e pregam peças com os clientes e entre si.
O protagonista desenvolve uma espécie de controle do tempo. Cria em sua mente a capacidade de paralisar o mundo ao seu redor, ou talvez de se mover tão rapidamente que tudo o mais parece estar parado. Assim, com a percepção e atenção para os detalhes típicas de um desenhista, despe as mulheres e registra o que vê para transpassar para o papel.
Do outro lado da trincheira, Jenkins (Stuart Goodwin), o gerente noturno, procura cooptar os funcionários para seu lado, organizando eventos fora do expediente, como jogos de futebol e até festas de aniversário. Meio contrariados, a turma comparece.
É interessante como o filme desenvolve tanto no roteiro quanto visualmente o interesse entre Ben e Sharon. A primeira vez que o protagonista a vê, apenas enxerga uma mulher comum trabalhando. Não há vida, é uma imagem opaca, sem brilho. Tempos depois, ao conhecê-la melhor, sua percepção muda e Ben a visualiza com cores saturadas, uma Sharon cheia de luz e vida, belíssima. Ele está apaixonado novamente. O obstáculo é superar um conflito com o colega de trabalho que também está interessado na garota.
O uso da câmera e as montagens da cena são bastante criativos e interativos com o texto. Ben compara o término do namoro com uma batida de carro, ocorrida em câmera lenta, com o cérebro tentando entender o que acontece ao seu redor. O protagonista narra em primeira pessoa seus dramas, conflitos e desilusões. Se em alguns momentos o filme lembrar Trainspotting, não é coincidência. Sean Ellis se inspirou mesmo na obra de Danny Boyle.
Momentos destacados:
O martírio das horas: Após receber um fora inesperado de sua namorada, Ben desenvolve insônia crônica. As horas se arrastam e as noites se tornam um martírio.
Senhor do tempo: Trabalhando no horário noturno em um supermercado, Ben se imagina paralisando o tempo e se sente livre para andar entre as pessoas e observar a beleza das mulheres, tema que o fascina e move suas ambições artísticas.
O brilho: O protagonista se percebe apaixonado novamente. A colega de trabalho agora emite uma luz própria, a tornando belíssima aos seus olhos, ao contrário da primeira vez que a viu.
Cashback, Bem-vindo ao turno da noite (Cashback, 2006)
Direção: Sean Ellis
Gênero: Comédia; Romance
Elenco: Sean Biggerstaff; Emilia Fox; Michelle Ryan
Duração: 1h42min