Jason Statham é um dos poucos que sobraram no gênero moderno do cinema de ação, um daqueles atores que praticam mesmo artes marciais. Revelado para o mundo por Guy Ritchie em seus primeiros longas, se encontrou mesmo no gênero ação a partir de Carga Explosiva (The Transporter, 2002), perpassando coisas mais alopradas como Adrenalina (Crank, 2006) e cada vez mais nonsense como Mega Tubarão (The Meg, 2018). Vez por outra ainda aparecia em algo excepcional como o remake de Matador a Preço Fixo (The Mechanic, 2011).
Já o diretor David Ayer eu tinha como uma promessa para o gênero. Iniciando com um trabalho sóbrio e denso como Tempos de Violência (Harsh Times, 2005), veio em seguida com Os Reis da Rua (Streets Kings, 2008), uma ação policial estrelada por Keanu Reeves. O nível subiu mais ainda com o também policial Marcados para Morrer (End of Watch, 2012). Baixou com Sabotagem (Sabotage, 2014), uma produção truncada cujo único trunfo era uma aparição qualquer nota de Arnold Schwarzenegger. Em seguida comandou Brad Pitt no filme de guerra Corações de Ferro (Fury, 2014) que, se não é muito bom, tem alguns momentos especiais. O negócio bateu mesmo no ventilador em Esquadrão Suicida (Suicide Squad, 2016), talvez o maior lixo cinematográfico da era dos super heróis até então. Bright (2017), um projeto da Netflix trazendo Will Smith no elenco me pareceu tão pavoroso que simplesmente eu e o mundo ignoramos, assim como ignoramos o seu próximo filme.
Eis que chegamos finalmente a Beekeeper: Rede de Vingança, unindo Ayer e Statham. Posso adiantar que a dupla deu o melhor de si, mas a verdadeira surpresa fica por conta do roteiro de Kurt Wimmer. É inacreditável a criatividade cínica do escritor, que em um passado já distante entregou boas colaborações, como em Esfera (Sphere, 1998) e Equilibrium (2002), e até o já mencionado Os Reis da Rua. Talvez ele tenha percebido que a Hollywood de agora demanda os produtos mais descerebrados possíveis para competir com Marvel e DC.
Ainda nem comecei a falar sobre o filme, mas essa contextualização era mesmo necessária para tentar entender o tamanho do insulto cinematográfico que entregaram aos espectadores.
Gerard Butler também tem mantido a tocha do cinema de ação acesa, e o cara tem acertado bem mais com roteiros mais pé no chão, é preciso reconhecer. Jason Statham é melhor em cena, mas tem apelado para exageros absurdos que parecem conquistar mais público.
Em Beekeeper, ele é Adam Clay, um simples apicultor que gosta da vida sossegada no campo. A coisa muda quando encontra sua vizinha morta. A coitada da idosa se suicidou após ser vítima de uma quadrilha especializada em golpes digitais, zerando todas as suas contas, incluindo dois milhões de uma associação de caridade gerida por ela.
Nem mesmo a filha da senhora, uma agente do FBI, conseguiria encontrar os rastros dos golpistas. Por sorte, Clay na verdade é um superagente aposentado que se dedicava a promover a justiça acima da lei, até que se aposentou. Alguém com contatos capazes de, em alguns cliques, apontar a localização dos malandros e ir lá cobrar a conta.
Clay vai bater em um prédio onde funciona um call center do mal. Uma instalação moderna dedicada a roubar as contas bancárias especialmente de idosos. Sem papo, o sujeito chega com dois galões de gasolina, espanca seguranças, bate no diretor de operações, dá umas porradas em alguns operários, atira em outros e põe fogo no local.
Acontece que é apenas a ponta do iceberg. Há vários prédios como aquele espalhados pelo país, comandados por um figurão jovem que, jurado de morte pelo vingador, recorre ao chefe de segurança da empresa. O sujeito por acaso é um ex-diretor da CIA, interpretado pelo Jeremy Irons, que pede a ajuda da atual diretora. Enviam então a nova Beekeeper para deter o Clay.
A mulher é uma espécie de punk cheia de metanfetamina que leva até um canhão giratório contra o adversário. O confronto ocorre em um posto de gasolina que, após centenas de disparos, só explode, claro, quando o protagonista elimina o ataque e sai andando naquele estilo fogo às suas costas.
O primeiro problema é que tudo é permeado por uma espécie de senso de humor condescendente que foi popularizado ao máximo pelos filmes da Marvel. Os vilões são atrapalhados, infantilizados. O dono da firma é um neppo baby mimado que, por acaso, é filho da presidente dos Estados Unidos. Não importa. Clay parece determinado a matar todo mundo que está envolvido.
Opa, mas claro que a agente do FBI que perdeu a própria mãe para os golpistas não está convencida a deixar que os criminosos morram em um ato de vingança sumária. Ela vai tentar deter o malvado fora da lei.
Então temos uma direção sóbria, provida pelo ainda competente nesse aspecto David Ayer, em uma obra permeada por uma história surreal com gente que pensa que vive numa espécie de mundo de Alice no País das Maravilhas.
O fato é que os call centers de golpes já ganharam uma posição na lista de grandes vilões da humanidade. Já foram retratados em episódio da temporada recente de Os Simpsons, já foram dissecados em documentários como Os Caras do Telemarketing da HBO e agora aparecem como a origem de todo o mal em um filme de ação genérico protagonizado por um astro popular. Quem não gostaria de explodir uma dessas instalações pessoalmente, como faz Adam Clay no filme?
Fora a catarse gratuita de ver do segurança ao dono bilionário recebendo o que merecem, não sobra muita coisa para se divertir. Statham não passa de uma espécie de golem incapaz de ser parado seja por parceiros da mesma organização, por seguranças comerciais, por mercenários, pelo FBI ou pelo Serviço Secreto. O problema mesmo é que todos os oponentes são meio palhaços, tirando qualquer sensação de perigo, de ameaça ou confronto.
Beekeeper é a união das fórmulas mais genéricas do cinema de ação hollywoodiano da atualidade. O grande problema, na verdade, é aproveitar uma situação realística, como a existência de call centers dedicados a golpes, e misturar com uma espécie de conspiração que envolve a CIA e até a presidência dos EUA. Mas pior ainda é extinguir qualquer sensação de ameaça vinda dos bandidos, os transformando em palhaços de auditório ou NPC’s de soldados.
Beekeeper é o tipo de filme classe B do qual todos estariam rindo tempos atrás.
Beekeeper: Rede de Vingança (The Beekeeper, 2024)
Gênero: ação
Direção: David Ayer
Elenco: Jason Statham; Jeremy Irons;
Duração: 1h45min