A carreira no cinema muitas vezes começa pelas produções de baixo orçamento, com roteiros que funcionam apenas para conectar sequências de ação sem muita preocupação com a lógica ou que tenham uma mínima congruência com a história apresentada. Muita gente no mercado se deu bem produzindo nesse segmento, vide Roger Corman, a Troma e a Cannon. Outros se deram mal e só foram reconhecidos, de forma não muito bacana, posteriormente, como Ed Wood. Tivemos gênios que saíram da seara do trash e foram catapultados para os grandes estúdios, como Sam Raimi e Peter Jackson. Há histórias e histórias.
Ser reconhecido ainda em vida, se tornar cult e celebradocomo criador do pior cinema do mundo é para poucos. Tommy Wiseau é um dessesafortunados. O cara que roteirizou, produziu, dirigiu e atuou no, consideradopor milhares de pessoas, pior filme do mundo, The Room. Talvez a fama e aconsideração sejam frutos do hype invertido que se formou ao redor da obra, masainda assim é ruim o bastante para todo esse reconhecimento.
O filme de estreia de Wiseau atingiu o mundo em 2003 e se tornou um hit do cinema bagaceira. The Room cresceu com os anos e ganhou o status de cult, mas não o cult considerado bom e sim no sentido pejorativo da coisa. O filme partiu da ideia de dois amigos que tentavam ser atores em Los Angeles e, após várias rejeições, resolveram mostrar o que eles mesmos poderiam fazer. Tommy Wiseau e Greg Sestero superaram o amadorismo de muitas maneiras inéditas. Como resultado, conseguiram a imortalidade artística, agora mais ainda consolidada por meio de um dos melhores filmes de 2017, Artista do Desastre.
Em 2013, Sestero lançou o livro, com a coautoria de TomRissel, The Disaster Artist: My LifeInside The Room, the Greatest Bad Movie Ever Made, onde relata todo omaking of de The Room, começando do início, de sua amizade com o estranho Wiseaue a decisão de deixar São Francisco e ir morar em Los Angeles na casa dele. Eisque o livro dá origem a um filme dirigido e estrelado por James Franco. Artistado Desastre é daquelas produções que capturam a atenção da audiência do inícioao fim. Uma comédia dramática que gira em torno de dois personagens que parecemter sido inventados para algum projeto de Sacha Baron Cohen tal o nível deexcentricidade.
Greg Sestero é um jovem de 19 anos que frequenta aulas de atuação. Mesmo assim, não consegue se desenvolver, ficando estático, em pânico, sempre que sobe ao palco, mesmo durante as aulas. É lá que se impressiona com um dos alunos, o espalhafatoso Tommy Wiseau. Greg o procura para receber umas dicas de como conseguir ser tão desinibido e espontâneo quanto ele. A partir de então se forma uma improvável relação de amizade entre a dupla. Dois apaixonados pelo cinema que partem para a cidade dos sonhos com o objetivo de entrarem para o hall dos grandes astros. Dois caras sem talento algum, capitaneados por uma fonte aparentemente inesgotável e misteriosa de dinheiro.
Wiseau tem a aparência de um vilão, mas se enxerga como um grande herói, contrariando as dicas dos profissionais com os quais entra em contato. Lembra o falecido Peter Steele, vocalista da banda gótica Type O Negative, com um olho com pálpebra caída e um forte sotaque europeu. Até então nada se sabe com certeza de suas verdadeiras origens, inclusive da origem de sua fortuna. Suas tentativas de atuação são no máximo hilárias do jeito errado. Tommy deixa transparecer ser uma pessoa solitária, egocêntrica e instável. Greg se apresenta como um garoto ingênuo, que ao mesmo tempo em que se deixa manipular pelo amigo, tem percepção o bastante para compreender as limitações e fragilidades dele, o apoiando e tentando corrigir sua trajetória em alguns pontos. Com talento um pouco melhor, o que significa ruim o bastante, Sestero consegue se dar melhor no universo de Hollywood por conta da boa aparência para os padrões de L.A. e simpatia, descolando uma namorada que até consegue uma oportunidade para ele com Bryan Cranston (interpretado por ele mesmo),oportunidade que é arruinada por Tommy devido a um misto de inveja e medo deperder o único amigo em uma das cenas mais dramáticas do filme.
O trabalho de atuação de James Franco no papel principalé fantástico. O ator conseguiu emular com perfeição a aparência e todos ostrejeitos de Wiseau na tela, construindo a autenticidade de um documentário. Otrabalho rendeu o Globo de Ouro de Melhor Ator, mas sua indicação quase certapara o prêmio no Oscar naufragou após denúncias de assédio contra ele. DaveFranco, irmão de James, assume o papel de Sestero, bem mais fácil deinterpretar. Na verdade, ele apenas repetiu a atuação que fez no terceiroepisódio “Irmãos cervejeiros” (Brewery Brothers) da primeira temporada da sérieEasy, da Netflix, o que dá pra imaginar que na realidade ele é um ator bem ruimquase ao nível do Greg.
Quando se inicia a produção de The Room, as risadas involuntárias e nervosas são inevitáveis. Adupla demonstra desconhecimento de todas as mais básicas premissas naelaboração de um filme. Wiseau contrata um revisor de roteiro (interpretado porSeth Rogen fazendo caras de uma pessoa normal que não acredita no que estávendo acontecer à sua frente), mas se nega a entregar seu roteiro a ele. Aoinvés de alugar o equipamento para gravação, resolvem compra-lo. “Querem filmar em HD ou 35mm?” Ambos! Osdias de gravação se tornam um inferno surreal onde o inacreditável e oconstrangedor se mesclam assumindo aos poucos ares de normalidade.
Ao contrário de The Room, Artista do Desastre foi umsucesso de público e crítica. Desde então a dupla Wiseau/Sestero continuaescrevendo e produzindo filmes. Ninguém ainda tem certeza ao certo doverdadeiro nome, origem e rendimentos de Tommy Wiseau, ou sobre o que, afinal,se trata The Room, dando espaço a várias teorias e boatos. Artista do Desastreé a consolidação de um sonho que deu certo de todas as formas erradas.
Artista do Desastre (The Disaster Artist, 2017)
Gênero: Drama/Comédia
Diretor: James Franco
Duração: 1h44min