A Suécia e a Noruega são com democracias estáveis, justiça econômica e serviços gratuitos e de qualidade providos pelo Estado. Uma rápida pesquisa no Youtube revela características do parlamento sueco, por exemplo, que são apenas sonhos distantes aqui no nosso país. Mas ambos os países possuem em seu passado períodos de crise intensa, pobreza e fome antes da guinada para a social democracia.
Adalen 31, do cineasta sueco Bo Widerberg, é um filme político que conta a história de como uma série de greves pacíficas conseguiu dobrar a classe empresarial/industrial iniciando uma guinada em direção à social democracia. Essa é a linha principal do filme, que apresenta o início do movimento grevista ocorrido na Suécia em 1931, responsável por desatar em um processo de revolução que levou a nação à uma era de prosperidade.
Em 1930, a Suécia atravessava uma crise econômica severa, acarretando desemprego e diminuição dos salários dos trabalhadores. O anúncio de um corte nos salários em uma serraria na região de Adalen funcionou como o estopim de um movimento grevista que se espalharia pela área, afetando outras fábricas.
Praticamente a primeira meia hora do filme apresenta a vida de alguns cidadãos suecos na bucólica região de Adalen, especificamente uma família comum. Enquanto a mãe cuida dos afazeres de casa, o pai segue para encontros com colegas de trabalho e os filhos se divertem com amigos. Enquanto os adultos se encarregam dos problemas do mundo, como em um filme de comédia adolescente, garotos na puberdade sonham com o sexo oposto, como o Kjell (Peter Schildt), até testando métodos de hipnotismo.
Do lado oposto, há um personagem que representa a classe rica do país, um dos proprietários dos meios de produção. Em meio ao cenário de greve, sua filha, Anna (Marie De Geer) chega do internato para passar as férias com a família. Acontece de ela se interessar justamente pelo Kjell, filho de alguém da classe trabalhadora, iniciando uma espécie de romance secreto que resultará em uma gravidez indesejada.
Apenas após uma longa e sutil contextualização, que mostra a realidade social das vidas das duas classes que entraram em choque, o filme adentra nos acontecimentos históricos da greve. Os grevistas impedem a saída de produtos das fábricas para os navios no porto. Sem querer ceder às exigências dos grevistas, os empresários trazem trabalhadores de outras regiões, provocando um princípio de tumulto, formando uma situação tensa e potencialmente perigosa. O caso não termina em desastre por conta da intervenção do pai de Kjell, que convence seus companheiros a não matarem um dos fura greves.
Ele assume a posição da voz da consciência da multidão, composta por cidadãos cansados de serem explorados, determinados a travar uma luta por dignidade e justiça social. O confronto atinge o ápice quando uma massa formada por 4000 homens, mulheres e crianças inicia uma marcha para uma fábrica onde, para proteger os funcionários que insistem em continuar trabalhando, a polícia local recebe o reforço dos militares. Ao desobedecerem às ordens de se retirarem, os soldados disparam contra a multidão, causando a morte de cinco trabalhadores e ferindo outros cinco.
No dia seguinte aos fatos apresentados no filme, o movimento grevista se espalhou pelo país, impulsionado pelas mortes dos operários. Na semana seguinte ao trágico acontecimento, 12 mil pessoas compareceram aos funerais, havendo uma paralisação nacional em toda a nação durante 5 minutos de silêncio. Em 1932, os sociais democratas ganhariam a maioria das cadeiras no parlamento.
O filme tem mais valores históricos que de entretenimento. O roteiro tenta humanizar ao máximo os personagens, utilizando artifícios como o relacionamento entre os adolescentes de diferentes classes sociais, incluindo cenas de nudez e resultando em uma discussão sobre aborto, o que já mostra o quão progressista seria aquela sociedade a ser construída a partir daquele momento histórico. Quase (bastante quase) como nos filmes do construtivismo russo, não dá pra dizer que há um protagonista definitivo, apesar da maior exposição do patriarca da família do adolescente Kjell, utilizado para canalizar o espírito daquele momento, de um movimento pacifista, disposto ao auto sacrifício pelo bem maior. O protagonista principal mesmo se pode dizer que é o povo sueco.
O filme também não apresenta vilões clássicos. Não há o militar genocida nem o empresário cruel de formas caricatas. A figura do representante da classe industrial assume ares de alguém ponderado que, de fato, quer levar em consideração as justas reivindicações dos trabalhadores. Em uma reunião com seus pares, ele ainda chega a levantar a questão. Sobre a gravidez de sua filha, demonstra um relance humanista em oposição à atitude mais conservadora da esposa (ou seria justamente o contrário, a depender das intenções íntimas do casal).
Dirigido pelo sueco Bo Widerberg, já falecido, nascido no ano anterior aos fatos narrados na película, Adalen 31 foi premiado em Cannes e indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Mostra como começou um processo democrático de mudança liderado pela classe trabalhadora que, logo em seguida, ingressou nas engrenagens do sistema por meio do voto, para então operar ajustes internos construindo uma nação embasada na educação e orientada pela justiça social.
Adalen 31 (1969)
Diretor: Bo Widerberg
Gênero: Drama
Duração: 1h50min