Niki Jumpei, um entomologista (Eiji Okada) em férias, perambula por uma região costeira caçando insetos nas dunas de areia. Apesar de ser um trabalho extenuante por exigir atenção para localizar as minúsculas criaturas sob o sol, em um local desértico, ele o faz com o empenho daqueles que dedicam suas horas livres às suas paixões, se sentindo livre de suas obrigações cotidianas. Ao fazer uma pausa para descansar em cima de um barco abandonado na praia, adormece e perde a hora do último ônibus.
O homem é acolhido por simpáticos moradores locais, que o conduzem à casa de uma viúva (Kyôko Kishida) que poderá o abrigar por aquela noite. A mulher mora em um casebre de madeira que fica em uma espécie de buraco cercado de areia. Para chegar lá, é preciso descer por uma escada de cordas.
Tudo é absolutamente estranho e inóspito, mas Jumpei se deixa levar pela aventura e é acolhido com tamanha gentileza e dedicação pela jovem senhora que baixa completamente a guarda. Apesar de considerar excêntrico que a mulher passe a noite inteira enchendo latas de areia que são içadas pelos homens da vila através de uma espécie de elevador manual, nada desconfia das verdadeiras intenções dos que o levaram até lá.
Ao amanhecer, a escada fora retirada e ele percebe que agora é um prisioneiro, tendo de trabalhar para sobreviver. Se não ajudar a retirar a areia, a casa corre o risco de ser soterrada ou então de morrer por inanição, sem os suprimentos que são jogados no buraco.
Adaptação do livro de mesmo nome de autoria de Kobo Abe, publicado em 1962, A Mulher da Areia apresenta uma história bizarra em vários sentidos. Parece uma mistura de conto de terror com aventura lisérgica embebida por camadas de misteriosa filosofia oriental. Pelo modo como a trama se apresenta, pelas sombras e movimentos das dunas e barragens, a areia parece um ser vivo, uma criatura que vai se insinuando inicialmente de forma desapercebida, mas logo preenchendo todo o espaço. A viúva alerta que a areia, com sua umidade, apodrece tudo o que toca, devora tudo. Logo, o terror se solidifica como uma prisão inescapável, uma vida dedicada a ser escravo daquele elemento.
O entomólogo, homem instruído, vindo de Tóquio, se vê longe de casa, em um ambiente inóspito, mas em companhia uma mulher amável e simples. Após um conflito inicial, ele percebe que ambos são prisioneiros fisicamente, mas que, intimamente, suas prisões têm estruturas diferentes.
A mulher não conhece outra vida que não aquela, a de trabalhar durante todas as noites para garantir que a natureza não a mate sufocada, como também para assegurar a continuidade do envio de mantimentos. Não quer se separar de suas origens e acredita que apenas daquela forma será, ou continuará, feliz. Apesar de ela ter medo da solidão, de que o novo “marido” a abandone, não consegue aceitar a ideia de deixar os corpos do antigo marido e filho enterrados no local.
Jumpei, por sua vez, quer voltar a ser livre, voltar para o mundo moderno, onde ele é alguém, ou imagina ser, pois espera por um resgate. Ao final, ambos, tão diferentes a princípio, se mostram humanos com comportamento padrão, que tentam encontrar uma justificativa para se manterem presos a algo ou alguma situação.
Além do terror e do suspense, o erotismo também se apresenta na cena em que a mulher, exausta após uma noite de trabalho, dorme nua, apenas com uma toalha protegendo o rosto. Seu corpo coberto de areia captura a atenção do novo prisioneiro. Com o tempo, a intimidade entre eles se torna o caminho natural mas, devido ao stress da situação, a violência doméstica também aflora, nos modos físico e psicológico.
Assim como a mulher, mesmo quando consegue sair do buraco, o entomologista simplesmente não sabe para onde ir, passando a justificar a sua existência com um artifício que soa tão pueril quanto os motivos de sua companheira.
A areia que a tudo cobre, que consome e apodrece o que toca, possui a mesma maleabilidade que a água, a mesma capacidade de se adaptar a qualquer ambiente. Incansável, feita de total resiliência, o tempo está a seu favor. O casal, em sua luta para impedir que sejam enterrados, pode ser interpretado como a luta universal da vida. A vida é movimento. Se pararmos, morremos. Mas também, mesmo que continuemos nos movimentando, também morremos. Mais cedo ou mais tarde, a areia cobrirá e comerá nossos corpos. Somos pó e ao pó voltaremos.
O filme parte por um caminho de desmistificação, apresentando explicações para a situação que inicialmente tinha ares sobrenaturais. É o tipo de obra que nunca poderia ter sido filmada a cores. Os contrastes, as sombras destacando o granulado da areia em tudo, a melancolia da trama em tons de preto e cinza rendem planos belíssimos.
O esmero rendeu a Hiroshi Teshigahara indicação ao Oscar de Melhor Diretor, a primeira vez em que um japonês foi indicado para essa categoria na premiação. O longo também foi indicado a Melhor Filme Estrangeiro.
Cenas marcantes:
01. A Mulher da Areia: O entomologista desperta pela manhã e percebe o corpo nu da jovem senhora repousando no chão, coberto de areia.
02. Tudo é pó: Durante o longa, são apresentadas várias cenas das paisagens ao redor, com a areia escorrendo como se fosse uma criatura viva, incansável e até maligna cujo propósito é devorar tudo.
03. Presos como animais: O homem da cidade ainda não se rendeu à rotina de trabalhos forçados e aceita até a selvagem proposta dos moradores do vilarejo, de fazer sexo com a viúva na frente de todos.
04. Liberdade: Quando finalmente consegue rever o mar, o protagonista percebe que se tornou outra pessoa e não quer mais a liberdade.
A Mulher da Areia (Woman in the Dunes, 1964)
Diretor: Hiroshi Teshigahara
Gênero: Drama; Suspense
Elenco: Eiji Okada; Kyôko Kishida
Duração: 2h27min