Trabalhar cedo, ganhar dinheiro rápido, gastar mais rápido ainda, morrer jovem e ostentar um belo caixão. Esse era o ciclo de vida do yuppie.
A escola acabou e os professores estão rindo de você porque o futuro chegou. É hora de decidir em qual emprego horrível quer passar o resto de uma vida dolorosamente miserável em sua cidade pequena vendo todas as possibilidades definharem em uma velocidade e potência inversamente proporcionais a uma ereção matinal.
Mas, se você era um americano médio vivendo na década de oitenta em algum fim de mundo da terra do Tio Sam, podia relaxar. Na terra das oportunidades bastava inflar os pulmões com uma mistura de ganância, arrogância e a indispensável ousadia juvenil e pegar o ônibus para a cidade grande mais próxima, de preferência Nova York ou Los Angeles, porque, francamente, eram as únicas que valiam a pena. Sem preocupações, afinal a obscura época na qual alguns diretores sádicos encheram Hollywood de filmes sombrios com finais desesperadores para seus protagonistas já havia passado. Você não iria cair na mesma cilada que Joe Buck, interpretado por Jon Voight, caiu em Perdidos Na Noite (Midnight Cowboy, 1969).
Durante a década de 80 e início de 90 vários filmes abordavam as dificuldades de vencer na terra das oportunidades. A América via surgir uma figura totalmente oposta ao hippie e ela foi bem vinda ao seio capitalista. Os yuppies eram os modelos de filhos e patriotas ideais. Young Urban Professionals, jovens dispostos a trabalhar 12 horas por dia, ganhar dinheiro rápido, gastar mais rápido ainda e morrerem aos trinta vítima de algum ataque fulminante ou overdose de cocaína, a droga dos campeões.
No cinema conhecemos protagonistas que lutaram arduamente para atingir o ideal yuppie, tendo de decidir entre o equilíbrio perfeito entre a ganância e o altruísmo, entre o dinheiro e o amor verdadeiro, vestindo o conceito de yuppie e abraçando o mito do “Self-made man”, aquele tipo que consegue se fazer sozinho, através de seu próprio esforço, vencendo dificuldades e agarrando oportunidades.
Tom Cruise foi talvez o campeão nesse tipo de personagem. Foi jogador de sinuca profissional, barman, empresário, advogado, agente esportivo e até gigolô. Charlie Sheen e Michael J. Fox também tiveram participações marcantes, encarnando o estranho silvícola em papéis que se tornaram referências do batalhador americano. Em todos os casos tiveram ataques de consciência e uma mulher angelical tal qual um anjo da guarda para lembrá-los que não, a ganância não é tudo.
A cor do Dinheiro (The Color of Money, 1986)
Depois de ser o jovem gigolô de Rebecca De Mornay em Negócio Arriscado (Risky Business, 1983), Tom Cruise mudou de ramo assumindo o papel de Vicent Lauria, um jogador de sinuca com muito potencial que passa a acompanhar o veterano Fast Eddie Felson (Paul Newman), aprendendo os meandros mais sutis das mesas de bilhar espalhadas pelo território americano. Em dado momento o discípulo se torna muito arrogante e ganancioso, levando a uma separação e, mais tarde, a um confronto entre pupilo e mentor, que resolve sair da aposentadoria. Tudo bem que a partir de certo ponto a história foca em Felson e nem Lauria é exatamente o arquétipo perfeito do yuppie, mas fica o exemplo de jovem ganancioso.
O segredo do meu sucesso (The Secret of my succe$s, 1987)
Brantley Foster (Michael J. Fox) nasceu e cresceu no Kansas, mas cedo já sonhava com Nova York. Sonho realizado, no primeiro dia de trabalho em uma empresa de corretagem, Foster é demitido quando uma transação dá errado. A solução é não levar o mito do self-made man tão ao pé da letra e pedir ajuda ao tio, chefe de uma multinacional. Consegue um emprego de mensageiro e ainda a atenção da mulher do patrão, um ótimo atalho para o alto escalão. Foster consegue subir de carreira em duas semanas se apresentando como um executivo de sucesso quando na verdade era apenas o entregador de correspondência.
Wall Street: Poder e Cobiça (Wall Street, 1987)
“A ganância é boa”. Esse é o conselho de Gordon Gekko (Michael Douglas), tubarão de Wall Street, para quem quer subir na vida. Neste épico dirigido por Oliver Stone, acompanhamos a saga do jovem corretor Bud Fox (Charlie Sheen) dentro da selva do mercado especulativo norte-americano. Desejando o topo, Bud se aproxima de Gekko e passa a absorver todas as suas filosofias do mundo dos negócios. Inicialmente encantado pelo universo das grandes fortunas, Fox se dá conta das consequências das manipulações da bolsa especialmente quando ameaçam afetar os empregados de uma empresa na qual seu pai é líder sindical.
Cocktail (1988)
Brian Flanagan (Tom Cruise) é dispensado do exército e parte para Nova York cheio de sonhos. Após várias entrevistas de emprego, acaba como barman. Durante o dia, se matricula em um curso de Administração para tentar se capacitar para o mercado, mas estudar parece um caminho muito longo e sem garantias, então firma parceria com Doug Coughlin (Bryan Brown) e os dois se tornam reis da vida noturna em clubes de alta categoria. Quando a sociedade se desfaz por conta de conflitos pessoais, Flanagan parte para a Jamaica, onde pretende juntar dinheiro durante uma temporada. Lá, encontra um caminho ainda mais fácil para a fortuna: se tornar consorte de uma senhora rica. Apesar de seu protagonista buscar o sucesso, o filme foi considerado um fracasso pela crítica. Mas não dê ouvidos aos seus detratores. Cocktail mostra como a frustração e os maus conselhos podem levar a decisões que não trazem a felicidade. Aqui Elisabeth Shue faz o papel de amor verdadeiro para resgatar o protagonista.
Rain Man (1988)
Tom Cruise novamente. É o terceiro filme com ele nesta lista e ainda não acabou. No mesmo ano do fracasso de Cocktail, o ator surge com Rain Man e se redime completamente com a crítica. Aqui, Cruise é Charlie Babbit, um yuppie filho de pai rico, com uma namorada tela de cinema mas com problemas financeiros graves em sua empresa. Ao receber a notícia da morte de seu pai, descobre que o patriarca deixou uma fortuna para seu irmão mais velho, Raymond (Dustin Hoffman), que ele nem mesmo conhecia. Detalhe que Raymond é autista. Charlie sequestra o irmão para tentar obter uma parte da herança e parte com ele para Los Angeles para participar de uma reunião que pode decidir o seu futuro financeiro. O problema é que o Ray não viaja de avião e o percurso tem de ser feito de carro. O protagonista é amargurado pelos desentendimentos que marcaram sua convivência com o falecido pais, egoísta em relação ao irmão recém descoberto e às raias do desespero pelo fracasso comercial que está na iminência de acontecer, além de antiético ao ponto de tentar ficar com a herança para si.
Doutor Hollywood – Uma Receita de Amor (Doc Hollywood, 1991)
O que era ser um médico bem sucedido nos Estados Unidos no início da década de 90? Ser cirurgião plástico em Los Angeles, claro. Lar dos artistas de Hollywood e dos músicos do hard rock farofa. O Doutor Benjamin Stone (Michael J. Fox) recebeu uma oferta de trabalho na cidade do pecado e colocou o pé na estrada. Ansioso demais pelas mulheres e pela fortuna à vista, pegou um atalho, se perdeu e terminou envolvido em um ridículo acidente de trânsito em Grady, uma cidadezinha qualquer coisa perdida no meio do sonho americano. O Juiz da cidade o sentencia a 32 horas de trabalho comunitário no hospital local. Logo, a estada no que seria um purgatório começa a afetar o Dr. Stone, inclusive a convivência com a motorista da ambulância, Lou (Julie Warner).
Por Amor ou Por Dinheiro (For Love or Money, 1993)
Michael J. Fox tira a bata de médico e veste o uniforme de mensageiro (na verdade, concierge) de um hotel de luxo. Doug Ireland tem de atender a todos os caprichos dos hóspedes e ainda aguentar a pressão do seu chefe. Seu grande projeto de vida é conseguir fundos para comprar e reformar um antigo hotel, então se dedica completamente ao trabalho, morando em um apartamento do tamanho de um armário japonês, passando suas noites de folga a comida chinesa e televisão aberta, economizando cada centavo. Através de contatos, consegue acesso a Christian Hanover (Anthony Higgins), empresário multimilionário que se mostra disposto a entrar como sócio no projeto de Doug. O problema é que o ricaço começa a usar o hotel como ponto de encontro com sua amante, a jovem atendente de shopping, Andy Hart (Gabrielle Anwar), paixão de Doug, mas que não dava a mínima pelo sujeito pobretão.
A Firma (The Firm, 1993)
Advogado é símbolo de sucesso financeiro, especialmente se for sócio de uma firma prestigiada. Mitch McDeere (Tom Cruise) é um jovem de origem humilde, que trabalhou como atendente de lanchonete mas conseguiu se formar em direito em Harvard, com mérito. Profissional promissor, é convidado para integrar uma dessas cobiçadas empresas de advocacia. Salário alto e benefícios tentadores como carro e casa nova seriam o suficiente para desligar a consciência de muitos profissionais do ramo, mas Mitch não se sente exatamente confortável quando descobre que está se envolvendo com lavagem de dinheiro e outras coisas pouco legais, como mortes acidentais de alguns sócios. Esquecer a ética e ignorar sua índole ou apenas relaxar e aproveitar os melhores frutos da vida?
Jerry Maguire: A grande virada (Jerry Maguire, 1996)
Depois de ser um promissor jogador de futebol americano, gigolô de prostituta de luxo, consorte de senhora rica, empresário do ramo automobilístico e advogado da elite criminosa, Tom Cruise assume a identidade de Jerry Maguire, um agente esportivo, administrador de grandes jogadores de futebol americano. Apesar do sucesso em sua carreira, sente em seu íntimo que algo está errado. Em uma dessas noites de devaneios, escreve um memorando interno onde defende um tratamento mais humano, mais íntimo, dos clientes, sem focar em números ainda que signifique um lucro menor. Ênfase nas palavras lucro e menor. Após a exposição de suas ideias, Jerry é demitido e vai ao fundo do poço da sua profissão, acompanhado apenas por Dorothy Boyd (Renée Zellweger), secretária que guarda uma paixão pelo chefe. Então, começa a penosa corrida de volta ao topo, onde Jerry começa a amadurecer sua visão do predatório submundo dos esportes.
Psicopata Americano (American Psycho, 2000)
Apesar de o filme já pertencer cronologicamente a uma nova geração, o livro homônimo no qual ele foi baseado foi lançado em 1991. Escrito por Bret Easton Ellis, um autor especializado na cultura yuppie, a história de Patrick Bateman, interpretado no cinema por Christian Bale, traduz de forma perfeita o arquétipo dos ricos precoces. Bateman é um jovem acionista de Wall Street que aos 27 anos já tem o mundo aos seus pés. Pelo Budismo, seria considerado um Deus Orgulhoso, mas nos Estados Unidos da década de 80, é a encarnação fiel do yuppie. Um sujeito egocêntrico, egoísta, invejoso e absolutamente insensível. Diferente dos protagonistas dos filmes anteriores, Bateman não pode ser salvo pelo amor verdadeiro, ele o partirá ao meio com uma motosserra. Não irá se comover ante a possibilidade de deixar centenas de pais de família desempregados. Um Gordon Gekko metrossexual neurótico e assassino.