Billions – o risco como estilo de vida

Há dois tipos de riscos para os produtores de uma série ao final da primeira temporada. Ela ser renovada, e ela não ser renovada. Caso seja cancelada, ao menos um dia isso pode ser considerado uma injustiça. Caso prossiga, há sempre a chance de se perder em uma continuação inferior, com roteiro medíocre e situações repetitivas, como aconteceu com Life, estrelada também por Damian Lewis.

Billions estreou pela Showtime em 2016 e o episódio piloto atingiu 2.99 milhões de espectadores, quebrando o recorde do canal em estreias de produções próprias. Seguiu-se então uma primeira temporada excitante e uma segunda temporada com as mesmas características, explorando novas situações e colocando em cena mais coadjuvantes peculiares o suficiente para disputarem a atenção do público mesmo entre as duas forças motrizes da série.

Ambientando no universo das fortunas invisíveis já retratado em filmes como Wall Street – Poder e Cobiça (1987), O Lobo de Wall Street (2013) e A Grande Aposta (2015), Billions gira em torno do embate entre duas mentes geniais, cada uma a seu modo. Um procurador do Estado de Nova York, Chuck Rhoades (Paul Giamatti), com uma sanha por enquadrar pessoas poderosas demais que se acham acima da lei, e Bobby Axelrod (Damian Lewis), a cabeça mestre da Axe Capital, uma gigante do mundo das ações. Como a mítica serpente que envolve o mundo, a Axe Capital pode destruir milhares de vidas quando se movimenta, como mostrado efetivamente no decorrer da segunda temporada.

Duas mentes excepcionais em rota de colisão, em uma disputa que cresce a cada capítulo. Uma versão de Tom e Jerry do mercado financeiro, ou ainda do conto Moby Dick passada nos mares da grandes finanças. Diálogos inteligentes, personagens que oscilam entre a loucura e genialidade, uso de metáforas para explicar os jogadores do mercado financeiro em meio a frases rápidas, como comparar a China a um porco chapado de LDS que pode correr a qualquer momento, são algumas das sacadas geniais da série, tudo envolto em referências à cultura pop, com aparições do Metallica, citações cinematográficas, músicas selecionadas cuidadosamente com letras que se encaixam exatamente nas situações apresentadas e com diretores de primeira grandeza conduzindo os capítulos.

A última cena da primeira temporada, por exemplo, remete ao filme A Conversação (1974), de Coppola, onde, em um cenário fisicamente devastado pela paranoia, os dois protagonistas se encontram e travam um diálogo sobre ética, suas motivações individuais e o impacto de suas ações. Uma espécie de Café Filosófico de alto nível.

Até que ponto os conceitos de crime podem ser aplicados ao universo caótico das bolsas de valores? Dinheiro invisível, fluindo em gráficos ininteligíveis para a maioria das pessoas, dia a dia, minuto a minuto, modificando em questão de horas o destino de estados e países. Rhoades deveria representar a ordem, um guardião a pacificar esse ambiente sombrio, deveria ser uma espécie de heroi da trama, e é exatamente assim que ele se enxerga. Mas, no decorrer da história, começa a burlar os códigos que defende, se tornando alguém no mínimo hipócrita, até odioso aos olhos de seus aliados. Ao tentar expor a corrupção em Wall Street, termina por germinar a corrupção em si mesmo.

Por outro lado, Axe se movimenta com desenvoltura dentro desse ambiente caótico, de regras pouco claras, se aproveitando de todo tipo de brechas no sistema e, quando necessário, manipulando o mercado. É o personagem mais fácil de agradar aos espectadores por representar o tipo de vencedor que todos almejam ser. Dono de um império bilionário, admirado por sua inteligência, à frente de uma empresa símbolo do mercado e parte de uma família aparentemente perfeita. Seria ele o vilão? Ainda que maquiavélico, não é exatamente uma pessoa má, mas mais uma força da natureza, um deus orgulhoso que não resiste a desafios.

Na primeira temporada, vemos como essas duas forças colidiram, conhecemos suas particularidades, motivações e vemos o crescimento do antagonismo entre eles. Na segunda temporada, a história ganha novo fôlego, com novos personagens entrando em cena e as maquinações entrando cada vez mais na esfera política.

O personagem de Damian Lewis é baseado em um corretor de Wall Street,  Steve Cohen, da SAC Capital. Em 2012, ele foi acusado de usar informações privilegiadas em algumas negociações. Na série, Axelrod foi o único membro sobrevivente da sua empresa durante o ataque de 11 de Setembro. Utilizando de informações privilegiadas, conseguiu lucros enormes em cima do desastre, fato que é revelado nos primeiros episódios.

Já Chuck Rhoades, interpretado por Paul Giamatti, foi parcialmente baseado em Preet Bharara, um promotor do Distrito de NY que atuou contra os excessos de Wall Street, ganhando a reputação de promover uma cruzada reprimindo os casos de informação privilegiada e corrupção no mercado de valores.

E, entre dois homens poderosos, uma mulher. Maggie Siff, que esteve presente na primeira temporada de Mad Men como a dona de uma empresa que tem um caso com Don Draper, é a psicóloga Wendy Rhoades. Em Billions, seu personagem cuida da saúde mental dos funcionários da Axe Capital, tendo um relacionamento bem próximo ao chefe. Mas ela é casada com Rhoades, situação que injeta ainda mais veneno nas intrigas entre os protagonistas.

Axe venceu a primeira rodada. Rhoades sobreviveu e conseguiu virar o jogo na segunda. Agora é aguardar o terceiro round de uma luta entre deuses onde a qualquer demonstração de fraqueza ou estratégia errada significa a total aniquilaçãoDSer.