Uma Mulher Exemplar – um retrato histórico do suplício de um povo

Artigo por: Célio Gustavo Soares Gaião

O western teve seu apogeu em Hollywood entre as décadas de 1930 e 1960. Até Elvis Presley atuou no gênero. A partir da década de 1960, as produções que ficaram conhecidas como spaghetti western deram uma breve sobrevida ao gênero, capitaneadas pelo Homem Sem Nome de Clint Eastwood e Sergio Leone, Ringo de Giuliano Gemma e Django de Franco Nero e Sergio Corbucci, entre os mais ilustres. A partir de então o número de produções foi se reduzindo drasticamente, com rompantes pontuais de genialidade de tempos em tempos, como a visão do mítico cavaleiro solitário que surge do nada e desaparece misteriosamente.

Uma mulher exemplar (Womam Walks Ahead, 2017) é um western com uma abordagem que foge do “bang bang”, construído sob uma base de fatos históricos. Uma produção séria que aborda alguns aspectos do suplício dos indígenas norte-americanos, mais especificamente dos Siox. As guerras de fronteiras nos Estados Unidos devastaram tribos e custaram as vidas de milhares de soldados e pioneiros. Destes confrontos surgiram lendas que se petrificaram nos livros de história e no imaginário das pessoas.

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Algumas dessas lendas surgiram durante a batalha de Little Big Horn, onde os índios infligiram uma das maiores derrotas militares da história do exército dos Estados Unidos, liderado na ocasião pelo General Custer. Numa série de ações estúpidas, acabou encurralado em cima de um morro e foi chacinado junto a seus comandados. O objetivo dos soldados era a conquista das Montanhas Negras, uma área que fazia parte da reserva indígena, mas que despertou a cobiça dos americanos devido à descoberta de veios auríferos. O governo tentou renegociar o tratado firmado, mas as tribos recusaram, dando início a uma guerra pelas montanhas.

Os índios ganharam essa batalha, mas tiveram de recuar frente às forças do General Crook. Cavalo Louco e Touro Sentado, dois dos líderes da coalização de tribos, terminaram se entregando para poupar seus povos do extermínio. O primeiro foi assassinado à traição. Touro Sentado ficou confinado a uma pequena reserva junto a alguns sobreviventes, em uma espécie de prisão a céu aberto, vivendo como agricultor e das rações distribuídas pelo agente indígena. Seus feitos durante a guerra não foram esquecidos. Os índios de forma geral continuaram ainda mais odiados pelos homens brancos e o equilíbrio estava sempre por um fio.

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É nesse ponto que a protagonista deste filme entra. Catherine Weldon (Jessica Chastain) é uma nova iorquina viúva que decide retomar sua carreira como pintora. Acha que é boa ideia ir para Dakota para pintar um retrato de Touro Sentado. Ainda no trem, é alertada pelo soldado Silas (Sam Rockwell) que uma mulher sozinha terá vida difícil no oeste selvagem, especialmente uma que tem a intenção de retratar um chefe índio cujos feitos na guerra não foram perdoados pelos brancos.

Para o exército, não bastava apenas derrotar Touro Sentado. Era necessário destruir a sua imagem de líder para desestimular que outros índios da tribo fossem inspirados a se rebelar. Além disso, o país queria apagar da história provas de sua própria covardia, intransigência e desonestidade, além da humilhação da derrota de Custer. E uma mulher vinda de um mundo adverso, além da fronteira, com a intenção de imortalizar a figura de um inimigo do Estado jamais poderia encontrar boa vontade dos burocratas do exército e muito menos compreensão por parte dos cidadãos de Dakota, que viram seus filhos e maridos serem despedaçados durante a guerra.

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Catherine encontra três tipos de acolhida: A beligerância da população civil em geral, a gentil falsidade dos burocratas do exército e do agente indígena e a amizade sincera dos oprimidos, os índios da reserva. Conseguindo burlar as dificuldades, alertas de perigo, ameaças e ordens para deixar a cidade, ela consegue firmar um acordo com o chefe indígena e, na medida em que convive com o índio, passa a entender seu ponto de vista, sua cultura e seu estilo de vida, passando a compreender o que é ser um lakota e o quanto injustiçada foi aquela gente. Uma Mulher Exemplar retrata um velho oeste realístico, duro, habitado por homens brancos amargos, desconfiados e violentos e índios resignados ante ao fim de suas tradições.

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A aproximação entre os dois beira uma relação romântica, o que, claro, inflama ainda mais a ira dos habitantes locais, que reagem de forma violenta em uma das cenas mais tensas e fortes do filme. Jessica Chastain mais uma vez encarna a figura de uma mulher solitária lutando contra a opressão do mundo patriarcal, papel que já fez em produções como Jolene (2008), Armas na Mesa (Miss Sloane, 2016) e A Grande Jogada (Molly’s Game, 2017). Sam Rockwell também encontra em seu personagem familiaridade com outros de seu passado como ator, interpretando um soldado cínico, meio ambíguo, capaz de oferecer o punho e a luva ao mesmo tempo. A direção ficou por conta de Susanna White, sendo este apenas seu segundo longa para o cinema, apesar de ter extensa experiência dirigindo filmes para a televisão e séries.

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O filme é baseado no livro Woman Walking Ahead: In Search of Catherine Weldon and Sitting Bull, escrito por Eileen Pollack, narrando a saga da imigrante suíça que se torna uma espécie de pária para a sociedade da época, uma mulher divorciada criando um filho sozinha. A adaptação cinematográfica sofreu algumas alterações quanto à reconstrução dos fatos e alguns pontos na biografia da protagonista, fatos comuns em uma obra de ficção. Os jornais na época fizeram uma campanha a apontando como a “squaw branca” de Touro Sentado. Ambos tiveram um fim humilhante, mas suas histórias foram preservadas e são contadas até hoje. O retrato que Weldon pintou de Touro Sentado está exposto no State Historical Society Museum em Bismarck, Dakota do Norte, servindo como mais uma prova do poder atemporal da arte.

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Uma Mulher Exemplar (Womam Walks Ahead, 2017)
Diretora: Susanna White
Gênero: Western/Drama
Duração: 1h41min