Rebel Ridge – Um Reacher genérico ou um Rambo zen budista?

Terry (Aaron Pierre), a caminho de Aurora, onde pretende pagar a fiança do primo, em custódia na delegacia da pequena cidade, é abordado na estrada por um policial. O oficial, em atitude autoritária, confisca seu dinheiro. O ex-fuzileiro procura o chefe de polícia, Sandy (Don Johnson), para negociar uma solução, mas a situação escala para um conflito maior.

Com a ajuda de Summer (AnnaSophia Robb), estagiária de direito do fórum municipal, Terry descobre uma espécie de esquema de corrupção ocorrendo na cidade, tendo como operador a corporação policial. A dupla então se torna alvo dos agentes corruptos e o instrutor de artes marciais terá de usar tudo o que aprendeu no exército para garantir a sobrevivência dele e da garota. 

Esse seria o plot de um filme de ação comum, semelhante a tantos já produzidos em todas as décadas da história do cinema. Homem solitário chega em uma cidade pequena, onde é hostilizado pelas autoridades, que são arbitrárias e corruptas. Mas não se trata de um homem qualquer, é alguém com habilidades especiais, porém os prepotentes nunca recuam diante de um desafiante anônimo. 

A diferença é que Rebel Ridge é um filme escrito e dirigido por Jeremy Saulnier, autor de Ruína Azul (Blue Ruin, 2013) e Sala Verde (Green Room, 2015), duas pedradas do cinema independente. 

Saulnier veio do mesmo barro que gerou diretores como Sam Raimi e Peter Jackson. Seu início se deu com Festa Assassina (Murder Party, 2007), um terror slasher ambientado na noite de Halloween com toques de humor negro e galões de sangue artificial. 

Em Noite de Lobos (Hold The Dark, 2018), o cineasta já tinha adquirido a atenção dos fãs do cinema para adultos que se impressionam com violência gráfica. O longa saiu pelo selo Netflix e, se não teve o mesmo impacto dos dois trabalhos anteriores, muito por conta do roteiro hermético, apresentou momentos brilhantes de ação e suspense. Tecnicamente, foi seu melhor trabalho. 

Saulnier foi chamado para dirigir alguns episódios da terceira temporada de True Detective e agora chega ao seu quinto longa metragem, Rebel Ridge, também pela Netflix. Mais uma produção genérica dentro de um mar de filmes genéricos de ação regurgitados pelo streaming vermelho? Chegaram a chamar Rebel Ridge de “o novo Rambo”. Outros comentários foram mais realistas e o apontaram como um Reacher genérico.

Interrompi a maratona de Banshee para conferir o longa. O caso é que o filme de duas horas não consegue bater um único episódio da série de ação estrelada pelo Antony Starr. Quando você pausa um filme de ação para verificar quanto tempo falta e descobre que ainda tem 1h20min pela frente, algo não funcionou como deveria. 

Os primeiros vinte minutos de Rebel Ridge fluem perfeitamente. Durante a abordagem policial ao protagonista, o espectador é inundado por sentimentos de revolta e indignação. Em seguida, a história assume ares kafkianos. Terry é sugado para um universo de burocracia formado por leis enviesadas, regras injustas e atitudes de agentes do Estado que tornam qualquer tentativa de resolução de conflitos total desperdício de energia. Quanto mais o ex-fuzileiro se contorce, mais fica preso pelos nós do sistema estatal. 

Frente a essa situação, o personagem se mostra reticente além do limite, demonstrando um autocontrole nível zen budista. A expectativa que provoca é que em algum momento aconteça uma reação explosiva aos moldes da de Dustin Hoffman em Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs, 1971), de Sam Peckinpah. Não é o que ocorre. 

Como grande símbolo da corrupção que permeia o local, temos Don Johnson como Sandy Burnne, o chefe de polícia inflexível. O problema é que ele não está em nenhum momento à altura das habilidades de Terry. Ambos serviram ao exército, mas apenas um dos dois de fato lutou em uma guerra, porém o confronto entre ambos fica praticamente restrito ao campo das palavras graças à grande diferença de habilidades físicas entre eles. 

Rebel Ridge é um filme de ação sem grandes sequências ou momentos impactantes. As cenas de luta parecem aulas de demonstrações de jiu-jitsu aplicado. Os momentos de confronto armado abusam da suspensão da descrença, com o protagonista sobrevivendo incólume graças à total falta de mira dos adversários. Algumas cenas são geograficamente confusas, com muitos personagens em uma área pequena, mas que o diretor faz parecer maior do que realmente é, como um ilusionista tentando enganar a plateia. 

Saulnier prolonga demais os momentos de tensão, sempre acompanhados por uma trilha sonora apropriada. No início, funciona perfeitamente. O problema é que ela é empregada até em momentos em que não está acontecendo nada demais, provocando uma expectativa vazia na audiência. 

Espera-se que algo venha a acontecer, mas em verdade nada de importante está sendo apresentado enquanto a trilha continua tocando ao fundo de novo e de novo. Na metade da projeção, passa a provocar apenas incômodo, como um tipo de zumbido persistente no ouvido. 

Falas sem sentido como “esse lugar tem cheiro de história” (talvez a Summer ainda estivesse sob efeito das drogas), reviravoltas que surpreendem não pelo acontecimento em si mas pela estupidez do protagonista, como quando tenta identificar o policial aliado dentro da corporação, e comportamentos confusos dos personagens mostram um roteiro que merecia um novo tratamento. 

No tocante à trama, baseada em fatos reais, os casos de enriquecimento ilícito por meio da livre interpretação de leis por parte de autoridades de condados americanos, o filme encontra seu ponto forte. Realístico, revoltante, aborda questões relativas à segurança pública, ao financiamento do Estado e, claro, ao racismo. O problema é quando vamos para a parte da resolução da situação, por meio da força. 

Terry é um brutamonte tão escoteiro quanto um super-herói de gibi como Steve Rogers, o Capitão América. Um herói de ação do tipo que não mata, o que torna a história toda ainda mais improvável e, por vir de alguém como Saulnier, decepcionante.

Rebel Ridge é o primeiro ponto fraco do cineasta até então, apesar do sucesso da obra na Netflix, o que não exatamente está relacionado às suas qualidades. Já se comenta até sobre uma sequência. 

E pensar que o roteiro só foi possível porque os Estados Unidos não possuem um sistema único, simplificado e imediato de transferência eletrônica de valores como o Pix e o protagonista se recusou a usar um cheque. 

Rebel Ridge (2024)
Diretor: Jeremy Saulnier
Gênero: ação 
Elenco: Aaron Pierre; Don Jhonson; AnaSophia Robb
Duração: 2h11min