O despercebido ocaso de Nicolas Cage

Na segunda metade da década de 90, Nicolas Cage era presença predominante entre os títulos das locadoras. A Rocha, Con Air, A Outra Face, 8mm, Olhos de Serpente, Vivendo no Limite, Um Homem de Família, 60 Segundos, O Senhor das Armas. Alugava uma fita VHS após outra, depois um DVD após outro com seus filmes, que também eram exibidos com frequência na tv aberta. Ele havia se tornado um astro de ação daquela década. Ninguém nem se importava com sua atuação na verdade.

Antes sinal de uma boa diversão, hoje, o nome do ator em um pôster virou sinônimo de baixa qualidade. Seu último grande sucesso de bilheteria foi A Lenda do Tesouro Perdido – Livro dos Segredos, em 2007. Depois, esteve em filmes que, se não foram bons, eram ao menos um entretenimento passável, como Perigo em Bangkok (2008), Presságio (2009) e Vício Frenético (2009), remake inferior ao original de 1992 dirigido por Abel Ferrara. A participação em Kick Ass – Quebrando Tudo (2010) talvez tenha sido seu último suspiro nas telas antes de saltar em queda livre.

Cage sempre foi um trabalhador incansável. Desde 1981, ao estrear no filme para televisão Best of Times, ainda chamado de Nicolas Coppola, não passou um único ano sem aparecer nas telas. Em Picardias Estudantis (1982) tentou ficar com o papel do personagem Brad, mentindo sobre sua idade, apenas 17 anos. Descoberto, terminou como um zé qualquer. O único crédito como Nicolas Coppola.

Conseguiu o trabalho em Arizona Nunca Mais (1987), dirigido pelos irmãos Coen, após desistência de Kevin Costner e começou a se tornar um nome conhecido no cenário, em um papel de um personagem meio insano, que iria repetir um ano mais tarde no insípido Um Estranho Vampiro (1988).

Quando venceu o prêmio de Melhor Ator em Despedida em Las Vegas (1995), por interpretar Ben Sanderson, um carinha que só queria beber até a morte apesar do amor da prostituta Sera (Elisabeth Shue), que só queria alguém pra dormir de conchinha, emplacou uma trinca de filmes de ação.

Em A Rocha (1996), atuou ao lado de Sean Connery e Ed Harris. Con Air – A Rota da Fuga (1997)  foi seu segundo filme de ação que encerrava com Sweet Home Alabama do Lynyrd Skynyrd. Um negócio canastrão e divertido demais produzido por Jerry Bruckheimer, assim como o anterior. Na década de 90, John Woo era o mais badalado diretor do cinema de ação, e isso explica o falatório que A Outra Face (1997) gerou. Uma história sem muito sentido onde um policial (John Travolta) e um criminoso (Nicolas Cage) passam por uma cirurgia na qual trocam de rosto. Cage a princípio não queria participar por ser o vilão, mas quando descobriu que os papéis seriam invertidos, topou.

Desacelerou com um romance contracenando com a namoradinha da América na época, Meg Ryan, em Cidade dos Anjos (1998), que parecia ser exibido no mínimo uma vez por mês no SBT.

Engatou uma produção com Brian De Palma (Olhos de Serpente, 1998), outra com Martin Scorsese (Vivendo no Limite, 1999) e fez um filme roteirizado por Andrew Kevin Walker (8mm – Oito Milímetros, 1999), o mesmo que escreveu Seven – Os Sete Crimes Capitais, de David Fincher. Ainda fisgou uma produção de Oliver Stone em As Torres Gêmeas (2006). Tudo bem que não pegou esses grandes diretores no melhor momento de suas vidas, mas ter trabalhado com gente desse gabarito quer dizer sim alguma coisa.  Foi ainda indicado ao Oscar de Melhor Ator por sua dupla atuação em Adaptação (2002), de Spike Jonze. Sua carreira gravando filme após filme, com mais acertos que erros, continuou até que o placar começou a desequilibrar feio.

Ele se tornou astro de filmes de baixo orçamento que nem ao menos são exibidos nos cinemas. O que aconteceu ao sobrinho de Francis Ford Coppola? O implacável Imposto de Renda Americano e uma vida nababesca. Ao menos, dizem que foi isso.

Em 2009, segundo a Forbes, ele era um dos astros mais bem pagos de Hollywood, chegando a cifra de $40 milhões por filme. Nesse mesmo ano, o IRS (imposto de renda americano), o cobrou por 6,2 milhões de dólares em impostos imobiliários não pagos. Apesar de ter declarado ganhos de 150 milhões entre os anos de 1996 e 2011, as cobranças em cascata começaram a forçar uma mudança no seu estilo de vida e o levaram a uma falta de critério na escolha de seus trabalhos. Precisava de dinheiro o quanto mais rápido melhor.

Fora das telas, o Nicolas Cage era retratado como um grande gastador, acostumado a uma vida luxuosa, sendo comparada a um Sheik árabe. Suas propriedades incluíam uma mansão em Bel-Air, um castelo na Inglaterra e um na Bavária, uma ilha ou duas nas Bahamas, um punhado de iates, mais de 40 carros e motos, uma Lamborghini comprada do Xá do Irã, uma coleção milionária de revistas em quadrinhos e uns tantos crânios de dinossauros.

Para sobreviver ao holocausto financeiro, teve de vender várias propriedades. Além do IRS, pipocaram vários processos contra ele, ou dele contra outros. Acusou seu empresário, Samuel Levin, de ter causado perdas catastróficas devido a investimentos de alto risco. Levi retrucou afirmando que o ator não dera ouvidos a seus alertas.

Outras excentricidades de Cage incluem ter batizado seu filho com Alice Kim de Kal-El, o nome kriptoniano do Superman. Inclusive na década de 90 ele manifestou mais de uma vez o interesse em interpretar o homem de aço nos cinemas, projeto que, para a sorte de todos, permaneceu engavetado. Fora alguns casamentos pelo caminho. Essas informações servem apenas para ressaltar alguns aspectos de sua personalidade.

Afundado em dívidas, em seis anos ele chegou a fazer vinte filmes. Até 2015,  já tinha aparecido em ao menos 79 produções. Motoqueiro Fantasma (2007) desceu ruim, mas nessa época ainda tinha credibilidade para gastar. O golpe mesmo, a verdade inescapável, aconteceu em Fúria Sobre Rodas (2011). À época escrevi o seguinte comentário: “Fúria Sobre Rodas parece ter sido dirigido por um adolescente fanático pelo game GTA. Consegue ser até mais tosco que Machete, mas com o porém de não ser nem ao menos engraçado. Os efeitos especiais o farão gritar. Você sentirá medo quando ouvir falar de um novo filme com Nicolas Cage. O único local onde poderia ser exibido sem causar desapontamentos seria nos extintos Cine Trash e Cine Sinistro da Band.”

A partir de então, a maior nota no IMDB de um filme com sua participação foi em Snowden: Heroi ou Traidor (2016), de Oliver Stone, com 7.3 de avaliação. A maioria dos seus filmes ainda surpreendentemente arranha os cinco pontos, mas parece que o mundo não sente exatamente sua falta nos cinemas. Com uma indústria imersa em uma maré na qual nem nomes como Tom Cruise ou Jhonny Depp garantem mais grandes bilheterias, Nicolas Cage segue no mercado direto para tv. Um momento! Cães Selvagens (2016) foi para a tela grande, e é dirigido pelo Nova Hollywood Paul Schrader. Você viu?