A Conversação – espionagem e paranoia no modo analógico

Entre O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972) e sua sequência, Francis Ford Coppola conseguiu fazer um projeto bem pessoal que, de outra forma que não pela Zoetrope, teria sido negada por outros estúdios. Fundada por Coppola e George Lucas, A Zoetrope foi uma espécie de cooperativa de cineastas cuja proposta principal seria a produção de filmes sem a interferência das grandes marcas que dominavam a indústria, levando à frente aquele espírito de revolução da década de 1970, quando um pessoal meio novato chegou em Hollywood quebrando as regras do cinema e deixando todo mundo atordoado com filmes cheios de personalidade, ousadia, criatividade e violência.

O escândalo de Watergate ainda estava fresco na memória dos americanos. Parecia ser uma boa pedida um filme com o tema de espionagem. Porém, o que Coppola tinha em mente não era uma trama política, mas um drama de caráter pessoal, apresentando um protagonista que aparentemente era tão desinteressante que as pessoas teriam de se concentrar no diálogo de um casal misterioso que se repetiria várias e várias vezes durante as quase duas horas de filme.

A Conversação (The Conversation) começou a se formar na mente de Coppola por volta de 1966, mas apenas três anos depois o diretor escreveu o primeiro roteiro. “Queria fazer um filme sobre espionagem e privacidade, e queria focar no sujeito que a pratica, não em seus alvos”, explicou o próprio diretor.

“É uma área no centro da cidade. As escadas vão até o centro, com bancos por todos os lados. É meio dia. Hora do almoço para todas as pessoas que trabalham ao redor. Essa gente vai caminhando, falando, almoçando, está cheio de gente. Duas pessoas andam em círculo, no meio de todas as outras. Não sabemos se vão se sentar, nem o que irão fazer. Eles estão convencidos de que não podem ser gravados porque estão no meio das pessoas e em constante movimento. Eles são o alvo”. Esse foi o desafio executado pelo especialista em gravações Harry Caul (Gene Hackman), com o auxílio de uma pequena equipe: captar o diálogo de um casal em um parque no centro de São Francisco. O cliente era um empresário. O motivo e a identidade dos alvos, não revelados.

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À medida que Harry trabalha nas gravações captadas, ouvindo repetidamente o diálogo do casal e filtrando os ruídos ao redor, o que parecia apenas uma conversa informal começa a se revelar uma possível conspiração para assassinato. A ideia de que um de seus trabalhos possa resultar na morte de alguém abala o protagonista o lançando em uma espécie de delírio paranoico e despertando lembranças amargas, iniciando uma luta interna entre seus princípios católicos e a natureza de sua profissão. Porém, acontece uma sucessão de erros de interpretação que contribui para aumentar ainda mais o grau de suspense da obra.

Hackman deu vida a um protagonista solitário e alienado, com alguns fantasmas que o assombram por acontecimentos passados. Um homem especialista em invadir a privacidade das pessoas, mas que se acha moral e tecnicamente superior aos demais colegas de profissão. Obcecado em manter seu íntimo intocado até por quem possivelmente o ama, termina por adentrar em uma espiral formada por suas próprias neuroses ao se imaginar ele mesmo grampeado.

No elenco vale destacar ainda presença de um desconhecido e irrelevante, à época, Harrison Ford como um dos capangas do misterioso cliente de Harry, este interpretado por Robert Duvall, ambos em aparições bem curtas mas importantes.

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O ano em que o diretor teve a ideia para o filme foi também o ano de estreia de Blow Up – Depois Daquele Beijo (Blowup, 1966), onde um fotógrafo profissional percebe que pode ter capturado, por acaso, imagens de um assassinato em um parque. As semelhanças entre os dois filmes foram apontadas pela crítica, inclusive reconhecidas pelo próprio Coppola: “Eu cheguei em A Conversação porque estava lendo Hesse e havia assistido Blow Up. E sou muito franco acerca da relevância de A Conversação porque acho que os dois filmes são bem diferentes. A similaridade entre os dois está no óbvia, e apenas nisso. Mas foi minha admiração pelo clima e pela maneira como as coisas acontecem nele que me fez dizer ‘também quero fazer algo assim’”.

O orçamento fechou em U$1,9 milhão e as gravações foram executadas em apenas 56 dias. William Friedkin (diretor de O Exorcista e Operação França), foi um dos amigos que puderam assistir a uma versão não finalizada do filme na casa de Coppola. Suave como sempre, ao final da sessão cuspiu nas barbas do companheiro sua opinião sincera. Segundo Friedkin, a conversação era uma imitação de Blow Up, mas com som ao invés de fotografias. Disse que o filme era interessante como ficar vendo tinta secar ou esperar cabelo crescer.

A participação de Walter Murch, editor de som e montagem, parece ter sido imprescindível para transformar uma história com elementos repetitivos e ritmo lento em algo minimamente interessante. Murch se tornaria um dos profissionais mais competentes na indústria, repetindo a parceria com Coppola em O Poderoso Chefão II e III e Apocalypse Now. Também trabalharia em sucessos como O Paciente Inglês e Ghost – Do outro lado da vida. Várias decisões na hora da montagem de A Conversação foram tomadas por ele, segundo declarações do próprio Coppola.

O filme foi lançado em 7 de abril de 1974, dia do aniversário do diretor, por insistência do mesmo. O resultado é que naquele ano dois de seus filmes foram indicados para o Oscar de Melhor filme. O poderoso chefão II recebeu 11 indicações no total, enquanto que A Conversação contou 3 indicações, incluindo a de melhor edição de som. Nada mal para um filme despretensioso e pessoal.

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Em números de bilheteria pode até não ter conseguido impressionar, mas obteve um bom retorno da crítica. Inclusive, com o passar dos anos, de um filme menor, passou a ser considerado uma das grandes produções de Coppola, contendo no mínimo duas cenas icônicas, rendendo até hoje referências e homenagens no mundo da cultura pop. Ao final de segunda temporada da série Billions, por exemplo, Bob Axelrod (Damian Lewis) praticamente destrói a sede de sua empresa em busca de uma possível escuta clandestina plantada no local, em uma situação paranoica exatamente igual a de Harry Caul, mas sem o charme solitário de um saxofone.

A Conversação (The Conversation, 1974)
Diretor: Francis Ford Coppola
Gênero: Suspense
Duração: 1h53min